Desde o final da II Guerra Mundial que a Áustria é um país neutro, tendo mantido este estatuto mesmo após a entrada para a UE (em 1995), nunca tendo aderido à NATO. Este estatuto permitiu-lhe manter com a Rússia uma relação especial duradoura, que tem sido lucrativa para as empresas russas e austríacas.

A Áustria tornou-se uma plataforma para os interesses russos, desde o armazenamento de gás russo (que continua a importar) até à transformação de Viena no principal centro financeiro russo. Até março de 2022, era em Viena que o Sberbank Europe tinha a sua sede. Por outro lado, várias empresas austríacas tiveram acesso facilitado ao mercado russo, entre elas vários bancos. O mais relevante destes bancos é o Raiffeisen Bank, um banco russo universal subsidiário do grupo bancário austríaco Raiffeisen Bank International (RBI) - o 2.º maior grupo bancário na Europa de Leste com presença em 12 países - e o maior banco ocidental na Rússia (em 2022, tinha 90 filiais, 10 000 trabalhadores, 2600 clientes corporate, >4 milhões de contas-clientes e era o 10.º maior banco em termos de ativos na Rússia). O Raiffeisen Bank ocupa o segundo lugar em termos de ativos no Grupo RBI e o primeiro em termos de lucro (em janeiro de 2024, o RBI publicitou um lucro consolidado de 997 milhões de euros, excluindo a Rússia e a Bielorrússia; mas o Financial Times estima que os lucros na Rússia sejam metade dos lucros totais da RBI).

Para além dos lucros da operação na Rússia, o controlo da RBI pertence a uma entidade mutualista, com enorme capilaridade na Áustria; além disso, muitos deputados e ministros austríacos têm ligações ao banco, considerando a Novaya Gazeta Europe e o Financial Times que o Raiffeisen Bank é o “banco da casa” do Partido Popular Austríaco, no poder.

Após a invasão da Ucrânia, alguns bancos europeus e americanos cessaram atividade na Federação Russa, tendo perdido muito dinheiro na venda dos seus ativos locais; o último exemplo é a venda do HSBC Russia ao Expobank. Todavia, vários bancos ocidentais continuam a operar na Rússia - o Raiffeisen Austria, o ING Bank (dos Países Baixos), o OTP Bank (da Hungria), o UniCredit (de Itália), o Citibank (dos EUA). Destes, o mais relevante é o Raiffeisen Bank que, de acordo com o Financial Times, é responsável por 40-50% de todos os pagamentos entre a Rússia e o resto do mundo.

Estes grupos bancários declararam já tencionar sair do mercado russo, mas têm adiado essa saída. É difícil encontrar compradores que não sejam entidades sancionadas e o Governo russo não quer a saída destas entidades, quer mantê-las reféns. Por outro lado, estes grupos bancários não querem perder dinheiro na venda, nem os lucros decorrentes da operação no mercado russo. Isso é especialmente notório no caso do Raiffeisen Bank.

Apesar do evidente risco colocado pela contínua operação de bancos ocidentais na Rússia, só em dezembro de 2023 uma nova Ordem Executiva do Presidente dos EUA concedeu ao Tesouro norte-americano um poder sancionatório mais amplo, permitindo-lhe perseguir bancos estrangeiros que facilitem transações com a Rússia. Os bancos que forem considerados “facilitadores” pelo Tesouro americano arriscam perder o acesso aos bancos-correspondentes dos EUA, que atuam como a espinha dorsal das finanças globais. Após a Ordem Executiva referida, o Governo americano rapidamente começou a fazer ameaças de aplicação. Bancos dos EAU, da Turquia, da Índia e de outros países que têm aumentado o negócio com a guerra começaram a recusar efetuar operações que vinham fazendo regularmente com entidades russas.

O BCE lançou investigações há mais de um ano sobre as operações destes bancos na Rússia. Mas mantém-se mudo e quedo, bem sabendo que a saída da Rússia destes bancos, em especial do Raiffeisen, catalisaria a desconexão de facto do SWIFT e complicaria seriamente os negócios russos com os seus parceiros estrangeiros. O que espera o BCE para atuar de forma mais firme?


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A porta do cavalo bancário austríaco e o pusilânime BCE

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03.04.2024

Desde o final da II Guerra Mundial que a Áustria é um país neutro, tendo mantido este estatuto mesmo após a entrada para a UE (em 1995), nunca tendo aderido à NATO. Este estatuto permitiu-lhe manter com a Rússia uma relação especial duradoura, que tem sido lucrativa para as empresas russas e austríacas.

A Áustria tornou-se uma plataforma para os interesses russos, desde o armazenamento de gás russo (que continua a importar) até à transformação de Viena no principal centro financeiro russo. Até março de 2022, era em Viena que o Sberbank Europe tinha a sua sede. Por outro lado, várias empresas austríacas tiveram acesso facilitado ao mercado russo, entre elas vários bancos. O mais relevante destes bancos é o Raiffeisen Bank, um banco russo universal subsidiário do grupo bancário austríaco Raiffeisen Bank International (RBI) - o 2.º maior grupo bancário na Europa de Leste com presença em 12 países - e o maior banco ocidental na Rússia (em 2022, tinha 90 filiais, 10 000 trabalhadores, 2600 clientes corporate, >4 milhões de........

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