Embora existam boas razões para sustentar a legalidade do confisco de fundos russos [soberanos] congelados, em 2023 os EUA e o Reino Unido recuaram nesse propósito. Em fevereiro de 2023 (!) foi criado na UE um grupo de trabalho para analisar a questão. Ao longo dos meses fomos sabendo que alguns países levantavam objeções: a Áustria (Viena foi durante décadas a capital financeira russa e em fevereiro de 2022 o Sberbank, tinha lá a sede), a Alemanha, a França, a Hungria.

Von der Leyen vem regularmente recordando a necessidade de se tomar rapidamente decisões nesse sentido. Mas o tempo vai passando e nada sucede. Na reunião de 14-15 de dezembro de 2023, depois de abundantes considerandos, o Conselho Europeu (o órgão máximo da UE composto pelos chefes dos Executivos nacionais) “reiterou ainda o seu apelo a progressos decisivos, em coordenação com os parceiros, sobre a forma como as receitas extraordinárias detidas por entidades privadas diretamente provenientes dos ativos imobilizados da Rússia poderão ser canalizadas para apoiar a Ucrânia e a sua recuperação e reconstrução, em conformidade com as obrigações contratuais aplicáveis e em conformidade com o direito da UE e internacional.”

Mas qual “apelo”?!? É ao Conselho Europeu que cumpre tomar estas decisões quanto à UE?! A 12 de fevereiro, o Conselho Europeu lá aprova um regulamento determinando que os depositários de valores mobiliários registem de forma autónoma os rendimentos dos fundos russos congelados e afirma, impante, que “esta decisão abre caminho para que o Conselho decida sobre o eventual (!) estabelecimento de uma contribuição financeira para o Orçamento da UE cobrada sobre estes lucros líquidos, a fim de apoiar a Ucrânia e a sua recuperação e reconstrução numa fase posterior”. “Esta contribuição financeira pode ser canalizada através do Orçamento da UE para o Mecanismo de Apoio à Ucrânia.” Sendo que no Mecanismo de Apoio à Ucrânia - ao abrigo do qual poderãoser emitidas Obrigações Europeias até 50 mil milhões de euros (mM€) (até 2027!) - não há uma linha sobre a possibilidade de esses fundos serem utilizados para armamento, que é o que a Ucrânia necessita agora!

Em suma, o que sobeja em juras de solidariedade escasseia em ações que permitam à Ucrânia obter rapidamente armamento. Passados 2 anos desde que a questão foi levantada e um ano da constituição do bendito grupo de trabalho, não há uma única emissão de Obrigações Europeias para financiar a Ucrânia… e menos ainda uma decisão para utilizar os fundos russos, seja pelo seu confisco, seja pela sua capitalização ou securitização, seja por outra via. A ponto de até o conservador The Economist, na sua última edição, vir relembrar que é possível utilizar [os rendimentos] dos fundos soberanos russos como colateral para emissão de eurobonds (no valor mínimo de 114 mM€) e pagar os juros das Obrigações Europeias com os rendimentos gerados pelos fundos russos, e como fazê-lo, numa espécie de how-to-issue-eurobonds-using-russian-frozen-funds-for-dummies.

É sabido que a liderança russa - inimiga jurada do modo de vida europeu ocidental - não tem respeito senão pela força e pela ação decisiva. Num momento histórico em que a UE necessita de líderes determinados e com rasgo, tem um Conselho Europeu de poltrões incapazes de atuar de forma resoluta e decisiva.



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Fundos russos e um Conselho Europeu de poltrões

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06.03.2024

Embora existam boas razões para sustentar a legalidade do confisco de fundos russos [soberanos] congelados, em 2023 os EUA e o Reino Unido recuaram nesse propósito. Em fevereiro de 2023 (!) foi criado na UE um grupo de trabalho para analisar a questão. Ao longo dos meses fomos sabendo que alguns países levantavam objeções: a Áustria (Viena foi durante décadas a capital financeira russa e em fevereiro de 2022 o Sberbank, tinha lá a sede), a Alemanha, a França, a Hungria.

Von der Leyen vem regularmente recordando a necessidade de se tomar rapidamente decisões nesse sentido. Mas o tempo vai passando e nada sucede. Na reunião de 14-15 de dezembro de 2023, depois de abundantes considerandos, o Conselho Europeu (o órgão máximo da UE composto pelos chefes dos Executivos nacionais) “reiterou ainda o seu........

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