O terrorismo jihadista voltou a assolar a Europa, desta vez matando mais de uma centena de pessoas em Moscovo. A solidariedade com o povo russo foi imediata por parte dos líderes europeus, também da Administração americana e do mundo em geral. Reivindicado pelo Estado Islâmico, o ataque terá como motivação uma vingança contra a Rússia, que foi um dos países decisivos para a derrota dos jihadistas na Síria, no âmbito do suporte de Moscovo ao regime de Bashar al-Assad. Embora então claramente em lados opostos no apoio aos beligerantes da guerra civil síria, russos e americanos estiveram juntos nessa ofensiva contra o Estado Islâmico, também conhecido como ISIS ou Daesh, grupo que no seu pico de influência, em 2014, chegou a impor uma espécie de neocalifado em território tanto sírio como iraquiano.

Hoje em dia, apesar de estarem em lados opostos no conflito na Ucrânia, os americanos também fizeram questão de alertar as autoridades russas para um potencial atentado jihadista, obviamente um inimigo comum. E sabe-se que as forças de segurança russas têm ocasionalmente detetado e anulado ataques terroristas. Contudo, com um território tão vasto e fronteiras permeáveis, é impossível uma ação 100% eficaz contra o jihadismo. Aliás, nem os Estados Unidos nem nenhum grande país europeu pode dizer que teve êxito total contra o terrorismo.

Cerca de 10% da população russa será muçulmana, na sua grande maioria cidadãos leais. Uma comunidade famosa que há séculos faz parte da sociedade russa são os tártaros, mas há muitas outras. Os focos de radicalismo islâmico costumam estar no Cáucaso do Norte e, até serem derrotados e aceitarem a submissão ao Kremlin, os separatistas chechenos estiveram envolvidos em ataques sangrentos, como o contra um teatro em Moscovo e outro a uma escola em Beslan, no Sul do país. Desta vez, depois de capturados os atacantes, a informação divulgada é que serão estrangeiros, entre eles tajiques, portanto originários de uma antiga república soviética da Ásia Central, vizinha do Afeganistão, onde está baseado o ramo do Estado Islâmico que reivindicou o atentado de sexta-feira. Se for necessário encontrar uma origem mais remota do ódio jihadista aos russos, então será na guerra do Afeganistão dos anos 80, e a própria Al-Qaeda, antes de se virar contra os americanos, combatia o exército soviético.

Vladimir Putin prometeu punir exemplarmente os responsáveis pelo atentado. Não referiu na comunicação televisiva de ontem aos russos a reivindicação do Estado Islâmico e sugeriu ter havido algum tipo de ligação à Ucrânia. A sua prioridade, certamente, vai ser recuperar perante os russos a imagem de líder forte e protetor, que tinha sido reforçada pela vitória esmagadora nas eleições presidenciais deste mês e agora ficou abalada de certa forma pelo massacre de civis às mãos dos jihadistas. Uma intensificação da ofensiva russa na Ucrânia poderá, pois, acontecer como sinal de um Putin determinado. Talvez até já estivesse tudo decidido, pois o inverno passou e as operações militares tornam-se mais fáceis, mas não deixará de parecer que foi a resposta a um atentado que, tudo indica, nada teve que ver com o governo de Kiev, mesmo que os atacantes em fuga se dirigissem para a fronteira ucraniana. Nenhuma guerra se resolve confundindo guerras. E, por muito que se oponham na Ucrânia, russos e ocidentais não deviam esquecer que há outro inimigo de ambos à espreita.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

QOSHE - O jihadismo não desapareceu - Leonídio Paulo Ferreira
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O jihadismo não desapareceu

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24.03.2024

O terrorismo jihadista voltou a assolar a Europa, desta vez matando mais de uma centena de pessoas em Moscovo. A solidariedade com o povo russo foi imediata por parte dos líderes europeus, também da Administração americana e do mundo em geral. Reivindicado pelo Estado Islâmico, o ataque terá como motivação uma vingança contra a Rússia, que foi um dos países decisivos para a derrota dos jihadistas na Síria, no âmbito do suporte de Moscovo ao regime de Bashar al-Assad. Embora então claramente em lados opostos no apoio aos beligerantes da guerra civil síria, russos e americanos estiveram juntos nessa ofensiva contra o Estado Islâmico, também conhecido como ISIS ou Daesh, grupo que no seu pico de influência, em 2014, chegou a impor uma espécie de neocalifado em território tanto sírio como iraquiano.

Hoje em dia, apesar de estarem em lados opostos no conflito na........

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