Porque és morno e não és frio, nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca.

Apocalipse, 3.16

Cedo aprendi a fundamental distinção de Max Weber entre "ética de convicção" e "ética da responsabilidade". Segue uma ética da convicção o político que abstrai das consequências dos seus atos para seguir rigidamente as suas convicções; segue a ética da responsabilidade o político que considera e pondera todas as consequências, antes de tomar uma decisão.

Se podemos ver aqui refletida a distinção entre radicais (os da convicção) e moderados (os da responsabilidade), convinha pensarmos de que lado está hoje a moderação e de que lado está hoje o radicalismo.

Quando uma personalidade representativa da Iniciativa Liberal aplaude a eleição de um anarcocapitalista que quer destruir o Estado, podemos considerar moderada esta posição?

Quando um Governo submetido a uma troika de credores pretende ir além dessa troika e declara o empobrecimento do país um objetivo necessário para crescimentos futuros (mais "amanhãs que cantam"?), poderemos considerar moderada esta política?

Eu creio que depois do Governo de Vasco Gonçalves, o mais radical Governo que tivemos foi o da além-troika, que dizia que as reformas têm de doer (naturalmente, aos trabalhadores) e que nós, o povo, vivíamos acima das nossas possibilidades. Será isto um Governo moderado?

Eu creio que depois do Governo de Vasco Gonçalves, o mais radical Governo que tivemos foi o da além-troika.

A social-democracia perdeu o sentido quando abdicou das suas convicções, não pela ética de responsabilidade, mas por uma ativa cooperação e cumplicidade com a especulação financeira, contra os direitos dos trabalhadores. Foi o New Labour de Tony Blair, foi a famigerada "terceira via" teorizada por Anthony Giddens. Os resultados estão à vista e vieram à tona com a crise financeira mundial.

Foi esta gestão política da social-democracia prudente e conforme à ética da responsabilidade ou apenas veio mostrar a inutilidade de uma "terceira via", que na realidade fechava as portas a qualquer alternativa?

A ética da responsabilidade é necessária, mas quando é invocada para esquecermos as nossas convicções transforma-se em oportunismo e, ao não se distinguir das políticas económicas e sociais da direita, a social-democracia comete um suicídio com espectadores.

O problema de se querer pensar ao centro é que são precisos dois para dançar o tango e há muito que as lideranças da nossa direita abandonaram o centro, iluminadas pela convicção ultraliberal, verdadeira estrada de Damasco que os transfigurou. Os moderados do PSD perderam a partida desde o Governo de Passos Coelho.

Face ao descontentamento popular com a política, não é abandonando as nossas convicções socialistas democráticas que poderemos enfrentar o extremismo neoliberal e o racismo e a xenofobia da extrema-direita. A reafirmação dos nossos ideais, que não pretendem abolir os mercados, mas se recusam a depender deles absolutamente, que não querem diminuir o investimento privado, mas se recusam a abandonar o investimento público e a necessária missão reguladora e estratégica do Estado na economia, que não pretendem desacertar as contas públicas, mas consideram que pode ser mais urgente acudir ao SNS ou à Educação, mesmo que umas centésimas se percam na redução do deficit, todos estes pontos representam a verdadeira moderação, contra o extremismo dos seguidores cegos do neoliberalismo da Escola de Chicago.

É preciso que a ética da responsabilidade socialista triunfe sobre a ética da convicção neoliberal. Os inimigos da democracia crescem com a impotência dos Estados e o sentimento de que os políticos "são todos iguais". A ética socialista deve mostrar que existem alternativas para o futuro.

Esta é a verdadeira moderação de que carecemos, contra os radicalismos da nova direita.

Diplomata e escritor

QOSHE - Moderação e convicção - Luís Castro Mendes
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Moderação e convicção

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28.11.2023

Porque és morno e não és frio, nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca.

Apocalipse, 3.16

Cedo aprendi a fundamental distinção de Max Weber entre "ética de convicção" e "ética da responsabilidade". Segue uma ética da convicção o político que abstrai das consequências dos seus atos para seguir rigidamente as suas convicções; segue a ética da responsabilidade o político que considera e pondera todas as consequências, antes de tomar uma decisão.

Se podemos ver aqui refletida a distinção entre radicais (os da convicção) e moderados (os da responsabilidade), convinha pensarmos de que lado está hoje a moderação e de que lado está hoje o radicalismo.

Quando uma personalidade representativa da Iniciativa Liberal aplaude a eleição de um anarcocapitalista que quer destruir o Estado, podemos considerar moderada esta posição?

Quando um Governo submetido a uma troika de credores pretende ir além dessa troika e declara o........

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