O médio oriente e a imensidão de questões que originam os conflitos na região já deram origem a várias teses de doutoramento. São milhares de anos de desacordos permanentes, religiões, livros e escrituras sagradas que transformam esta zona na “terra prometida” para inúmeros povos diferentes.

Para abordar os acontecimentos mais recentes convém enquadrar as tensões que sempre existiram desde o início dos tempos. São essas que fazem da cidade de Jerusalém o local sagrado para três confissões religiosas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Assim, para efeitos de economia processual, as relações de “boa-vizinhança” nunca foram boas.
Em outubro passado, após a violenta incursão do Hamas em Israel e a captura de reféns, Israel deu início a um dos mais fervorosos ataques à Faixa de Gaza, numa tentativa de recuperar os reféns e de por cobro à liderança do Hamas na Palestina.

Sucede que, no decurso da guerra, outros atores regionais entraram em cena. Tanto através do Líbano, como da Síria, assistiu-se continuamente a combates entre forças de um lado e do outro.

Foi nesse contexto que no início do mês Israel atacou Damasco e provocou a morte de um líder militar Iraniano. Essa foi a gota de água que fez transbordar o copo já cheio e alterou o conflito no médio oriente, tal como era conhecido até há pouco tempo.

Com a exceção da guerra com o Iraque, o Irão já não combatia fora das suas fronteiras há muitos anos. Entre os constantes ataques de Israel à Faixa de Gaza, aliado às incursões pela Síria e Líbano, o Irão decidiu responder diretamente.

Sem querer defender o Irão, o que seria uma tarefa complexa, a verdade é que a morte do líder militar iraniano, em Damasco, deu-se com um ataque a instalações diplomáticas iranianas naquela cidade. Esse foi o motivo que Teerão apresentou como “legítimo”, uma vez que se limitou a responder a um ataque inicialmente levado a cabo por Israel.

Na noite de sábado para domingo, o Irão despoletou um ataque contra Israel com mais de 300 drones e misseis, numa ação militar sem precedentes mas que há muito era temida.

No entanto, e pese a comunicação estabelecida entre Teerão e Washington via Berna, este ataque assumiu proporções muito controladas. Quer isto dizer que anunciar um ataque que levaria 9 horas a atingir o seu alvo permitiu ao defensor e seus aliados preparem-se devidamente para o embate.

Deste modo, surge com naturalidade a seguinte questão: porquê levar a cabo um ataque cujo resultado final se previa que falhasse? A resposta reside na importância da “encenação”. Apesar de não ter causado senão um ferido, este ato teve uma enorme relevância para a região e para o mundo.

Na realidade, o Irão demonstrou possuir capacidade bélica para lançar por si próprio um ataque de grande envergadura sem fazer recurso às forças que apoia na Síria, Líbano, Iémen ou Faixa de Gaza. Para além disso, também provou que o bloqueio e as sanções económicas, que levaram desde 2018 ao afastamento do programa de desarmamento nuclear, não estrangularam completamente o país.

Esta demonstração de força e vitalidade também foi para os aliados do Irão. Esses agora sabem que foi permitido a Israel defender-se desta primeira vaga e impele os israelitas a colocar gelo nos pulsos e manter o foco na libertação dos reféns. Ao ambicionar mais, Israel sabe que pode partir para um conflito de maior escala, cenário que parece não ter grande concordância por parte dos aliados que ajudaram ao abate dos projeteis iranianos.

O que acontecerá? Essa é uma resposta desconhecida. Contudo, a presente iniciativa espanhola, na senda do defendido pelo Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, com a conivência do anterior governo português, e cuja manutenção de posição já foi assegurada pelo Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, passa pelo reconhecimento da Palestina como Estado de pleno direito das Nações Unidas.

Esse será um passo decisivo para a solução de grande parte dos problemas da região, em que Portugal continua a estar do lado certo da barricada.

QOSHE - Médio oriente: um barril de pólvora - Manuel Portugal Lage
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Médio oriente: um barril de pólvora

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16.04.2024

O médio oriente e a imensidão de questões que originam os conflitos na região já deram origem a várias teses de doutoramento. São milhares de anos de desacordos permanentes, religiões, livros e escrituras sagradas que transformam esta zona na “terra prometida” para inúmeros povos diferentes.

Para abordar os acontecimentos mais recentes convém enquadrar as tensões que sempre existiram desde o início dos tempos. São essas que fazem da cidade de Jerusalém o local sagrado para três confissões religiosas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Assim, para efeitos de economia processual, as relações de “boa-vizinhança” nunca foram boas.
Em outubro passado, após a violenta incursão do Hamas em Israel e a captura de reféns, Israel deu início a um dos mais fervorosos ataques à Faixa de Gaza, numa tentativa de recuperar os reféns e de por cobro à liderança do Hamas na Palestina.

Sucede que, no decurso da guerra, outros atores regionais entraram em cena. Tanto através do Líbano, como da Síria,........

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