As eleições legislativas do passado dia 10 de março demonstraram três coisas, que se antecipavam. Uma sanção, relativamente suave, ao Partido Socialista, que governa há mais de oito anos, mas que, estranhamente, depois de obter uma maioria absoluta em 2022, apresentou um governo fraco, porque pouco respeitado nas figuras e nos resultados que oferecia, apesar dos recursos financeiros disponíveis e da estabilidade política assegurada, mantida até ao golpe dos procuradores. Uma limitação ao universo da extrema-esquerda tradicional, traduzida no quase desaparecimento do PCP e na votação frágil do Bloco de Esquerda, com a confirmação do Livre como um novo nicho, aparentemente mais atrativo, para esse eleitorado. E o crescimento do Chega, enquanto partido sem programa, feito a partir de um homem, excelente comunicador, encarnando uma genuinidade de homem comum e de bom pai de família que encanta, com as suas tiradas e as suas promessas, impossíveis, quer o desencantado quer o por encantar.

PS e PSD estão, como escrevia há poucas semanas, com problemas muito sérios a médio prazo, porque não dizem nada de significativo ao novo eleitorado, aquele que não carrega consigo o peso da afirmação da democracia. Metade do eleitorado de novos partidos, como a Iniciativa Liberal ou o Livre, tem menos de 34 anos. O PCP tem, proporcionalmente, mais eleitores abaixo deste limite etário do que o PS. O Chega capitaliza em todas as gerações, mas a mensagem passa igualmente muito bem junto dos mais novos, mesmo que não encontrem ali qualquer proposta que sintam como sua. Simplesmente houve alguma coisa que lhes chegou – via X ou Tik Tok.

Pedro Nuno Santos dizia, na noite das eleições, que 18% do eleitorado português não era racista e xenófobo, apenas queria sinalizar o seu descontentamento. Por acaso, até acredito que 18% dos eleitores não sejam racistas e xenófobos – são provavelmente mais. E são racistas e xenófobos da forma como os portugueses sempre têm sido, de modo aparentemente confortável, delicado, sonso.

Note-se o caso do Algarve, por exemplo, onde o Chega foi o partido mais votado, ultrapassando AD e PS. O mesmo Algarve que PSD e PS, desde logo através dos seus autarcas, alegremente destruíram e do qual abusaram nos últimos 50 anos. O mesmo Algarve que aguarda um novo hospital público para a região há décadas, apesar de quatro privados terem aberto. O mesmo Algarve onde é impossível arrendar uma casa ou pagar o custo de vida da região, inflacionado pelo turismo e marcado pela falta de oferta formativa, de massa crítica, de emprego mais qualificado e de estruturas públicas eficazes. O Algarve que se queixa dos nepaleses, indianos e brasileiros, que vêm trabalhar na mesma agricultura e hotelaria, que sustentam a economia da zona, das quais os portugueses querem fugir, porque paga mal e exige muito e, para isso, é melhor ir para a Suíça ou para o Canadá, onde ganham em dois meses o que aqui ganhariam num ano. O Algarve, que se abre ao mundo e disso tira o seu aparente sucesso estatístico, mas que não aceita que os trabalhadores, dos quais precisa, possam vir um ano ou dois trabalhar do outro lado do mundo – onde os pais e avós dos atuais algarvios aliás viveram, trabalharam e pouparam para construir as suas atuais casas feias, frias e húmidas, na região com melhor clima da Europa. No Algarve votou-se no Chega porque estão mesmo fartos e de tudo: do PS, do PSD, dos portugueses, dos nepaleses, do valor das rendas, de custar 70 euros vir a Lisboa, de nunca haver médicos, professores ou enfermeiros sem pagar bastante. Estão fartos de não haver casas e estão zangados com o fim do alojamento local. Irritados com terem de passar faturas, fartos de lavar pratos e toalhas, incomodados com o subsídio que nunca mais chega. E zangados com o clima, com os abacates e com os campos de golfe, mesmo nem sabendo bem porquê. O Algarve, na verdade, só antecipou o que aí vem.

Em todo o caso, haveria uma primeira coisa decente a ser feita: lideranças do PS e PSD locais deixarem os seus lugares. Porque nada, em nenhum sítio, se começou a fazer sem um mínimo laivo de responsabilidade que se visse, nem que fosse para sinalizar essa coisa simples, humana e decente:

- Falhei. Agora, desejo o melhor a quem venha a seguir.

QOSHE - Este Portugal e este Algarve - Miguel Romão
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Este Portugal e este Algarve

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15.03.2024

As eleições legislativas do passado dia 10 de março demonstraram três coisas, que se antecipavam. Uma sanção, relativamente suave, ao Partido Socialista, que governa há mais de oito anos, mas que, estranhamente, depois de obter uma maioria absoluta em 2022, apresentou um governo fraco, porque pouco respeitado nas figuras e nos resultados que oferecia, apesar dos recursos financeiros disponíveis e da estabilidade política assegurada, mantida até ao golpe dos procuradores. Uma limitação ao universo da extrema-esquerda tradicional, traduzida no quase desaparecimento do PCP e na votação frágil do Bloco de Esquerda, com a confirmação do Livre como um novo nicho, aparentemente mais atrativo, para esse eleitorado. E o crescimento do Chega, enquanto partido sem programa, feito a partir de um homem, excelente comunicador, encarnando uma genuinidade de homem comum e de bom pai de família que encanta, com as suas tiradas e as suas promessas, impossíveis, quer o desencantado quer o por encantar.

PS e PSD estão, como escrevia há poucas semanas, com problemas........

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