O começo em funções do novo Governo, não há como o dizer de outra maneira, é um começo em falso. Falso desde logo porque se animou e propalou a ideia de uma redução de cobrança de IRS de 1500 milhões de euros daqui por diante e se concluiu, finalmente, que, devido ao novo governo, são apenas 173 milhões de redução. Associado a uma proposta de redução de IRC, cobrado às empresas, que ninguém pediu, nem aquelas, mas que foi assumido como desígnio dos novos governantes.

Chamado o ministro das Finanças ao Parlamento, para explicar estas reduções de impostos de valores duvidosos, optou por não comparecer. Preferiu enviar-se para Washington, para uma reunião habitual do Fundo Monetário Internacional, onde um secretário de Estado seria uma presença mais do que adequada e talvez até excessiva. No Parlamento, do qual este governo depende mais do que qualquer outro dos governos recentes, ficou um ministro dos Assuntos Parlamentares, a ler um papel, e a tentar explicar o inexplicável: afinal o governo prefere baixar impostos às empresas do que às pessoas e nem sequer acentua, de forma especialmente sensível, a redução do IRS que já havia sido decidida pelo Governo e pela composição do parlamento anteriores. Espera-se apenas que, atendendo à redução de cobrança de receita, o ministro das Finanças tenha atravessado o Atlântico em económica e não em executiva, pelo menos para dar o exemplo. Até porque vai precisar de todos os euros que poupe para cumprir as suas promessas eleitorais.

No mesmo dia, soube-se que uma nomeada por si para sua adjunta, com um extenso currículo de nomeação para cargos públicos regionais de relevo na Madeira, e arguida e acusada num processo de fraude com fundos europeus, afinal, posto de novo em público o seu currículo, “declinou aceitar” a nomeação. Acho mal: sabe-se bem, à saciedade, que a condição de arguido é uma circunstância pelos vistos normal de quem se dedica também à vida pública, que se arrasta por longos anos e que lhe permite até processualmente defender-se de forma mais adequada. Se uma mera adjunta se demite, no dia da nomeação, por ser arguida numa investigação criminal, onde afirma que não teve qualquer intervenção na alegada prática criminosa, está visto o que vai suceder em seguida... E não deixa de ser curioso o alto critério do PSD na indicação para funções públicas: para adjunta de ministro não serve graças ao Correio da Manhã, o cargo mais desgraçado em termos salariais e de quotidiano, habitualmente reservado a jovens em início de carreira, os únicos que aturam de bom grado o salário e a agenda. Para, na mesma condição de visada num processo-crime, ter sido deputada, vice-presidente do governo regional da Madeira e dirigente máxima de uma empresa pública durante 12 anos, já não havia então qualquer problema...

Entretanto, este novo Governo insiste nos seus grandes desígnios imediatos: mudar um logotipo de identificação administrativa e congregar pessoas à volta de uma mesa para falar sobre combate à corrupção. Sobre os desenhos, pouco há a dizer, o Governo é livre de os escolher e decidir, até porque os paga e, com ele, todos nós. Sobre a corrupção, um pouco mais haverá a dizer. Quanto tempo não se perdeu já à volta de mesas a falar sobre corrupção? E quanta legislação e mecanismos não foram criados e postos a vigorar? Claro que falar sobre combate à corrupção é sexy, pode dar votos e, como sobre motherhood and apple pie, quem disso pode dizer mal? Mas nada mais há a discutir sobre corrupção, a não ser investigá-la e, se demonstrada, puni-la. Punir a corrupção tem que ver com a demonstração de ganhos ilegítimos e de decisões enviesadas em especial no setor público. Não é preciso conversa adicional – pode esta, talvez com vantagem, ser substituída por mais contabilistas ao serviço da Polícia Judiciária, menos burocracia e arbítrio na decisão administrativa ou menor tolerância à falta de cooperação internacional de certos paraísos fiscais ou de Estados disponíveis para pagar comissões encapotadas aos seus próprios servidores públicos.

QOSHE - Primeiros dias de um governo: erros e 'motherhood and apple pie' - Miguel Romão
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Primeiros dias de um governo: erros e 'motherhood and apple pie'

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19.04.2024

O começo em funções do novo Governo, não há como o dizer de outra maneira, é um começo em falso. Falso desde logo porque se animou e propalou a ideia de uma redução de cobrança de IRS de 1500 milhões de euros daqui por diante e se concluiu, finalmente, que, devido ao novo governo, são apenas 173 milhões de redução. Associado a uma proposta de redução de IRC, cobrado às empresas, que ninguém pediu, nem aquelas, mas que foi assumido como desígnio dos novos governantes.

Chamado o ministro das Finanças ao Parlamento, para explicar estas reduções de impostos de valores duvidosos, optou por não comparecer. Preferiu enviar-se para Washington, para uma reunião habitual do Fundo Monetário Internacional, onde um secretário de Estado seria uma presença mais do que adequada e talvez até excessiva. No Parlamento, do qual este governo depende mais do que qualquer outro dos governos recentes, ficou um ministro dos Assuntos Parlamentares, a ler um papel, e a tentar explicar o inexplicável: afinal o governo prefere........

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