Vai sendo hora de Nuno Rebelo de Sousa pedir desculpa ao pai e, de caminho, ao país pela embrulhada em que nos meteu. Só faltava mesmo ter um Presidente fragilizado politicamente, incapaz de sair à rua sem ser questionado o tempo todo sobre as gémeas luso-brasileiras. Pela imprudência com que lidou com o tema desde o início, Marcelo Rebelo de Sousa também nos deve um pedido de desculpas. Lacerda Sales, mais papista do que o Papa, talvez querendo agradar ao melhor amigo do Governo (estávamos em 2019), ainda tem muito que explicar antes de nos pedir desculpa a todos.

O jornalismo, na vertigem de ter como prémio mais um político caído em desgraça, vai insistindo no que sabe ser altamente improvável. O Presidente não andou a mover as suas influências para lá do que faz habitualmente, nem tem de responder pelo que possa ter feito o filho. A seu tempo, os investigadores dirão a que conclusões chegaram, mas a imprudência inicial de Marcelo não é razão para que se lhe ande a perguntar se tem condições para se manter no cargo. Há muito spin metido nisto e já é tempo de o jornalismo fazer um ato de contrição.

Levy Gomes, o coordenador de Neuropediatria do Hospital Santa Maria (HSM), apresenta-se como D. Quixote, vendo Exércitos de gigantes em todos os moinhos de vento. E, ainda assim, na comunicação social, valoriza-se tudo o que ele diz sobre o caso das gémeas luso-brasileiras, como se não fosse a mesma pessoa que diz que não consegue "olhar para a cara do Presidente da República", que chama "mafioso" ao primeiro-ministro, que trata por parolos os líderes do PSD ou que se refere ao diretor-executivo do SNS como falando "um português do Porto impercetível". A vantagem dele é que aceita antecipadamente poder ter de pedir desculpa a quem possa ter ofendido.

Este médico, que tantos problemas levantou por um medicamento caro estar a ser utilizado em duas gémeas luso-brasileiras, é o mesmo que, no ano anterior (2018) a este acontecimento, defendeu aqui no DN que "tudo o que possa ajudar os miúdos deve ser usado".

Este mesmo médico, que tantos problemas levantou por um medicamento caro estar a ser utilizado em duas gémeas luso-brasileiras, é o mesmo que, no ano anterior (2018) a este acontecimento, defendeu aqui no DN que "tudo o que possa ajudar os miúdos deve ser usado". Falava-se nesse texto de "dois pacientes infantis com epilepsia a tomar canabidiol, um derivado de canábis não-psicotrópico, comprado pelos pais no estrangeiro sob a forma de suplemento alimentar". Médico e famílias estavam convencidos de que se tratava de "um produto ilegal", mas os efeitos, garantia este professor da Faculdade de Medicina, eram notáveis. De tal forma que, quando as crianças estavam internadas os pais, se calhar, até continuavam a dar-lhes aquilo sem o conhecimento legal [do médico] e sem haver qualquer registo dessa eventual medicação. Havia "uma certa hipocrisia", clarifica o diretor de Neuropediatria do HSM.

Se uma das minhas filhas tivesse epilepsia refratária, seguiria o conselho do médico Levy Gomes e dava-lhe um medicamento não-legal para a ajudar a ter uma vida melhor. Se as minhas gémeas fossem as luso-brasileiras, estaria a perguntar ao médico Levy Gomes se já não considera que "tudo o que possa ajudar os miúdos deve ser usado". Se o assunto é política, mesmo que num português do Porto impercetível, devo dizer-lhe: "Talbez seija melhuore candidatar-se a cuálquere cuoisa." Ainda deve haver lugares para candidatos mediáticos nas listas do Chega.

Jornalista

QOSHE - Ainda deve haver lugares nas listas do Chega - Paulo Baldaia
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Ainda deve haver lugares nas listas do Chega

8 4
11.12.2023

Vai sendo hora de Nuno Rebelo de Sousa pedir desculpa ao pai e, de caminho, ao país pela embrulhada em que nos meteu. Só faltava mesmo ter um Presidente fragilizado politicamente, incapaz de sair à rua sem ser questionado o tempo todo sobre as gémeas luso-brasileiras. Pela imprudência com que lidou com o tema desde o início, Marcelo Rebelo de Sousa também nos deve um pedido de desculpas. Lacerda Sales, mais papista do que o Papa, talvez querendo agradar ao melhor amigo do Governo (estávamos em 2019), ainda tem muito que explicar antes de nos pedir desculpa a todos.

O jornalismo, na vertigem de ter como prémio mais um político caído em desgraça, vai insistindo no que sabe ser altamente improvável. O Presidente não andou a mover as suas influências para lá do que faz habitualmente, nem tem de responder pelo que possa ter feito o filho. A seu tempo, os investigadores........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play