Ao país:
António Costa tem todo o direito de se defender, como cidadão e como político, mas fazer o que fez no sábado à noite, a partir da residência oficial, e nos termos em que o fez, revela que está exclusivamente preocupado consigo próprio. Descartando ministros, chefes de gabinete e até amigos, obrigando o país a ouvir por antecipação o que ele vai dizer à Justiça, quando for chamado, o primeiro-ministro, que se fez acompanhar pela mulher, tornou pessoal aquela conversa e, por isso, não devia ter escolhido a sede do Governo Português. Este é o momento de defender as instituições, não de as utilizar em proveito próprio.

Concedo que muito do que disse António Costa faz sentido, o Governo tem a obrigação de conciliar interesses antagónicos para garantir que os investimentos de que o país necessita são realizados. Mas poderia ter dito o mesmo numa grande entrevista ou no dia anterior no Largo do Rato. Acresce que em nome do Estado ninguém, nem que se julga dono de uma maioria absoluta, pode confundir à vontade com à vontadinha. Só agora é que o primeiro-ministro percebeu que o amigo Lacerda Machado era muito solicitado e muito bem pago porque toda a gente sabia que ele era o melhor amigo do chefe? O advogado nem precisava de falar com o primeiro-ministro, não havia ninguém no Governo que não atendesse o telefone.

O respeito que o país merece de António Costa passa exatamente pela necessidade que os portugueses têm de que o chefe do Governo reconheça que o amiguismo não pode ser a bitola dos negócios com o Estado.

Em julho deste ano, escrevi aqui no DN, um texto em que abordava a presunção de António Costa que, farto de casos e casinhos, não pretendia gastar tempo com o que o país inteiro estava a ver acontecer. Recupero o último parágrafo desse texto: "O primeiro-ministro, querendo ficar acima das questiúnculas terrenas, informa-nos de que se dedica "pouco à análise política" e "mais à governação", como se não fosse competência sua garantir a qualidade das pessoas que são recrutadas para o Governo. Como se governar bem fosse apenas apresentar bons resultados na economia. Como se não fosse obrigação de todos nós defender a Democracia exigindo ética republicana no exercício de cargos públicos. O pior que podemos fazer é render-nos ao bordão político "rouba, mas faz"".

A Marcelo:
Quando o primeiro-ministro nos vem dizer que vai decidir com o Presidente da República o destino do ministro João Galamba ou nos informa que foi com a anuência dele que foi falar com o governador do Banco de Portugal Mário Centeno, está apenas a tentar amarrar Marcelo Rebelo de Sousa ao que lhe está a acontecer. Ou tenta ficar à tona ou levá-lo com ele para baixo.

É anedótico pensar que há alguma coisa para conversar sobre João Galamba. Acaso achará o primeiro-ministro que o Presidente avalia de forma diferente a presença daquele ministro no Governo. A decisão está tomada e não é agora que António Costa pode usar a vontade de Marcelo como argumento. Tivesse ouvido o que lhe disse o Presidente e o país, em maio, e outro galo cantaria, em novembro.

De igual forma, sugerir que o facto de ter comunicado ao Presidente que iria falar com Mário Centeno, e não ter sido convencido a não o fazer, é o mesmo que estar autorizado a fazê-lo - mostra que António Costa estava convencido não só de que continuava a ter o PS no bolso, como mantinha a habilidade para condicionar a ação presidencial.

António Costa vai defender-se com tudo o que tiver ao seu alcance, porque o Ministério Público, pode querer acabar com a carreira política dele, prolongando ad aeternum este processo, mas este processo trouxe a António Costa uma vontade que ele não tinha: ser candidato presidencial.

Jornalista

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Costa deve mais respeito ao país e a Marcelo

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13.11.2023

Ao país:
António Costa tem todo o direito de se defender, como cidadão e como político, mas fazer o que fez no sábado à noite, a partir da residência oficial, e nos termos em que o fez, revela que está exclusivamente preocupado consigo próprio. Descartando ministros, chefes de gabinete e até amigos, obrigando o país a ouvir por antecipação o que ele vai dizer à Justiça, quando for chamado, o primeiro-ministro, que se fez acompanhar pela mulher, tornou pessoal aquela conversa e, por isso, não devia ter escolhido a sede do Governo Português. Este é o momento de defender as instituições, não de as utilizar em proveito próprio.

Concedo que muito do que disse António Costa faz sentido, o Governo tem a obrigação de conciliar interesses antagónicos para garantir que os investimentos de que o país necessita são realizados. Mas poderia ter dito o mesmo numa grande entrevista ou no dia anterior no Largo do Rato. Acresce que em........

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