Ninguém sabe ao certo quantos reféns vivos estão ainda nas mãos dos terroristas, nem o próprio Hamas, que na semana passada fez saber que já tinham morrido 50 e que antes já tinha informado que não sabia com exatidão onde estavam os mais de 200 que tinha levado de Israel para a Faixa de Gaza. Os que agora se dizem disponíveis para os libertar são os mesmos que ameaçaram matá-los um a um se o Exército Israelita continuasse a bombardear o território. Os bombardeamentos não só continuaram como se intensificaram.

Os terroristas terão mudado de estratégia e, em vez de matar os reféns, preferem guardá-los como escudo humano, para quando os israelitas avançarem com a grande invasão e ocuparem temporariamente Gaza com o objetivo de acabar com o Hamas. Não só Israel poderá estar já a matar reféns com os seus bombardeamentos - é isso que temem as famílias -, como poderá ter de matá-los quando pretender "limpar" as centenas de quilómetros de túneis onde está o Hamas, em muitos casos, com os reféns no fundo do cano da metralhadora.

Parece evidente que a única forma de salvar todos os reféns que ainda estão vivos é negociar a troca pelos cerca de seis mil palestinianos que estão presos em Israel, como foi proposto pelo Hamas. Essa é também a vontade dos familiares dos reféns, mas é pouco provável que esse seja o caminho em plena guerra.

Netanyahu demorou a encontrar-se com os familiares dos reféns e, quando o fez, mais do que confortar as famílias com a vontade do Governo de dar prioridade absoluta à libertação dos reféns, pareceu procurar nas famílias o conforto para a decisão do Governo de vencer esta guerra custe o que custar, mesmo que isso signifique a morte de muitos dos reféns. Nessa reunião, segundo relato que li no Observador, participaram cinco famílias representando todas as outras, aparecendo uma sexta família que não foi com o grupo e um homem pediu a palavra para dizer que amava os seus filhos tanto como todos os outros, mas defendendo que "no fim de tudo, o que é preciso garantir é a existência de Israel". As restantes famílias estranharam que a tónica da conversa não estivesse na salvação dos reféns. Nos dias seguintes descobriu-se que o homem é um ativista de Extrema-Direita, sem qualquer relação conhecida com algum dos reféns e amigo da família de Netanyahu.

Parece evidente que a única forma de salvar todos os reféns que ainda estão vivos é negociar a troca pelos cerca de seis mil palestinianos que estão presos em Israel, como foi proposto pelo Hamas. Essa é também a vontade dos familiares dos reféns, mas é pouco provável que esse seja o caminho em plena guerra. Por outro lado, libertar os reféns pela força das armas é ainda mais inverosímil que acabar com o Hamas.

No conflito de 2008 ficou evidente a ameaça que os túneis representavam para a segurança de Israel e, desde aí, a rede do "Metro de Gaza" não parou de crescer, como pôde ser confirmado na guerra de 2014. Nessa altura, os israelitas aumentaram a vigilância para que Hamas não desviasse materiais para a construção de túneis. Não só essa vigilância foi incapaz de evitar o crescimento de um mercado oculto, como a destruição provocada pelos bombardeamentos forneceu ao Hamas materiais para reciclar e utilizar na expansão da rede de túneis.

Yocheved Lifshitz, a israelita de 85 anos libertada a semana passada, afirmou ter percorrido quilómetros de corredores subterrâneos até chegar a "um grande hall onde estavam outros 25 reféns". Destruir toda a "teia de aranha" implica, portanto, sacrificar reféns. Isto está intuído por todos, incluindo os familiares dos reféns que sofrem com a ideia de que eles não vão regressar e pelo Governo que não pode assumir que estes israelitas poderão ter de ser contabilizados como danos colaterais de uma guerra que tem de ser vencida a todo o custo.

Os familiares querem saber qual é o plano para salvar os reféns, mas o amigo de Netanyahu já tinha dado o mote na primeira reunião: o plano "é garantir a existência de Israel". Se o Governo assume que, nesta nova fase, está também a destruir alvos subterrâneos, incluindo túneis, isso significa que pode estar a apagar-se a réstia de luz para os reféns que estão nesses túneis.

Jornalista

QOSHE - Reféns e sem luz ao fundo do túnel  - Paulo Baldaia
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Reféns e sem luz ao fundo do túnel 

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30.10.2023

Ninguém sabe ao certo quantos reféns vivos estão ainda nas mãos dos terroristas, nem o próprio Hamas, que na semana passada fez saber que já tinham morrido 50 e que antes já tinha informado que não sabia com exatidão onde estavam os mais de 200 que tinha levado de Israel para a Faixa de Gaza. Os que agora se dizem disponíveis para os libertar são os mesmos que ameaçaram matá-los um a um se o Exército Israelita continuasse a bombardear o território. Os bombardeamentos não só continuaram como se intensificaram.

Os terroristas terão mudado de estratégia e, em vez de matar os reféns, preferem guardá-los como escudo humano, para quando os israelitas avançarem com a grande invasão e ocuparem temporariamente Gaza com o objetivo de acabar com o Hamas. Não só Israel poderá estar já a matar reféns com os seus bombardeamentos - é isso que temem as famílias -, como poderá ter de matá-los quando pretender "limpar" as centenas de quilómetros de túneis onde está o Hamas, em muitos casos, com os reféns no fundo do cano da metralhadora.

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