O 25 de Abril de 1974 vai fazer uma cinquentena esta semana. Escolhi o masculino, para não ser mais deselegante, porque se falasse na Revolução, no feminino, poderia parecer mal atribuir-lhe uma idade, que já se poderia considerar pós-balzaquiana, apesar dos avanços estético-cirúrgicos e da evolução dos conceitos.

Mas não nos dispersemos.

Ao chegar ao meio século, o regime democrático nascido em Abril de 1974 já não tem a ingenuidade da infância, o ímpeto da adolescência, a confiança da idade adulta ou a paciência e sabedoria mais calma da idade a que ainda chamam terceira. Está ali naquela fase em que se mistura o desânimo do olhar para tudo o que se não fez e a consciência de que no tempo adiante pode faltar a energia para fazer algo que sirva para remediar as falhas constatadas.

É uma fase crítica da vida, mesmo se pensarmos que os 50 são os novos 40. Até porque, por muito que se tente ocultá-los e se mantenha o exercício, surgem os primeiros sinais de envelhecimento e degenerescência. Vejam-se os sinais saídos das mais recentes eleições legislativas e como demonstram até que ponto há zonas do tecido democrático que começam a revelar debilidade, quiçá mesmo feridas que se revelam progressivamente mais difíceis e morosas de sarar. E há mesmo aqueles sinais ou manchas que não se sabe se vieram para ficar. E há aquelas patologias que já se sabia que existiam, mas que agora deixam de estar apenas latentes e começam a tirar qualidade de vida.

Se muito foi feito pela Democracia que Abril conquistou, apesar de todas as críticas? Claro que sim, mesmo se muitas das realizações que permanecem nem sempre são devidamente acarinhadas ou reconhecidas. Veja-se a forma como o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a ser vítima de progressiva erosão ou se têm sido amesquinhadas as conquistas da Escola Pública, apesar de todos os desmandos que foi sofrendo, em especial nas últimas duas décadas. Só por muito má vontade se poderá dizer que tudo tem sido mau, mesmo se poderia ter sido melhor. Os cinquenta anos de vida são plenos de muitas experiências, mais ou menos conseguidas, mais ou menos abandonadas, mais ou menos reformuladas.

Claro que ao longo destas décadas houve momentos e contextos que poderiam ter sido aproveitados de outra forma, não esbanjando sucessivos prémios grandes da lotaria europeia ou acabando por os encaminhar para gastos supérfluos ou meramente ostentatórios, quantas vezes para mera exibição pública e espanto da vizinhança. Não os aplicando de forma algo irreflectida ou egoísta, na esperança de haver nova vaga de raspadinhas com bónus.

É bem certo que o “25 de Abril” é algo mais do que uma data e muito mais do que grupos específicos de interesses (político-ideológicos, mas também económico-sociais), que dele se quiseram apropriar, quiseram fazer. Por isso, há matizes nos balanços que podem ser feitos neste presente. Pode olhar-se para os copos cheios de um lado da mesa e ignorar o jarro vazio mesmo ali no meio. E podemos pensar que tudo poderia estar mais equilibrado e melhor distribuído. E é bem verdade que talvez tenha sido esse o maior falhanço desta meia vida, o descuido em não ter a atenção de tratar de uma forma mais justa e equitativa todos aqueles que precisam de beber o que de bom a Democracia prometeu e até poderia (deveria?) ter distribuído com um espírito mais solidário.

O regime nascido em 25 de Abril de 1974 chegou à meia-idade e só se espera que não sofra uma daquelas fortes crises de identidade e de tentativa de regresso a uma juventude perdida (já temos porsches suficientes em trânsito), porque isso raramente dá bom resultado e é quantas vezes apenas ridículo. Apesar do desânimo, até por causa dele, seria importante que, na sua pluralidade, Abril não se sofresse de demência precoce e não se esquecesse das suas origens, nas razões que o fizeram nascer e de tudo aquilo quem com mais ou menos dores, ainda pode conseguir.

Para todos nós?

Por todos nós!


Professor do Ensino Básico

QOSHE - Abril na meia-idade - Paulo Guinote
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Abril na meia-idade

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22.04.2024

O 25 de Abril de 1974 vai fazer uma cinquentena esta semana. Escolhi o masculino, para não ser mais deselegante, porque se falasse na Revolução, no feminino, poderia parecer mal atribuir-lhe uma idade, que já se poderia considerar pós-balzaquiana, apesar dos avanços estético-cirúrgicos e da evolução dos conceitos.

Mas não nos dispersemos.

Ao chegar ao meio século, o regime democrático nascido em Abril de 1974 já não tem a ingenuidade da infância, o ímpeto da adolescência, a confiança da idade adulta ou a paciência e sabedoria mais calma da idade a que ainda chamam terceira. Está ali naquela fase em que se mistura o desânimo do olhar para tudo o que se não fez e a consciência de que no tempo adiante pode faltar a energia para fazer algo que sirva para remediar as falhas constatadas.

É uma fase crítica da vida, mesmo se pensarmos que os 50 são os novos 40. Até porque, por muito que se tente ocultá-los e se mantenha o exercício, surgem os primeiros sinais de envelhecimento e........

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