Numa legislatura de tensão política, dure ela o que durar, o Governo foi formado com vista ao combate na Assembleia da República e na praça pública. A direção do PSD foi mobilizada para os cargos de coordenação política e o Governo começará por tomar as medidas mais populares, ditas de emergência.

À cabeça, as expectativas remuneratórias, desde professores às forças de segurança, as quais o PS já se disponibilizou para apoiar, viabilizando um Orçamento Retificativo. Há um consenso nacional sobre estas matérias e o Governo cessante deixou uma situação orçamental mais que confortável. Não há desculpas para o novo Governo não cumprir.

Entretanto, no discurso de tomada de posse, Luís Montenegro tentou já baixar as expectativas relativamente a aumentos para estes e outros profissionais, ao mesmo tempo que mantém a redução do IRC, que beneficia sobretudo as grandes empresas. Não é um bom sinal para os portugueses, mas confesso que não me surpreende.

Além das primeiras medidas, o novo Governo confrontar-se-á com um dilema: depois de criticar as medidas do Governo PS como causadoras do caos em todos os serviços públicos, que estratégia, que reformas? A expectativa é grande.

No Estado Social, reformar (novamente) o SNS e a sua gestão executiva? Ou executar as reformas iniciadas, dando mais organização aos cuidados secundários e mais médico de família e cuidados primários aos portugueses, através das novas USF? Entregar ainda mais recursos do SNS a privados é o maior risco e não resolve nenhum problema estrutural.

Na Segurança Social, abrir-se-á a porta aos fundos privados complementares? Seria um erro, numa das áreas onde os portugueses mais confiam (corretamente) na política pública.

Na Educação, o desafio da motivação dos profissionais da escola pública não se ganha a passar recursos para colégios privados. Há necessidades de recrutamento de mais professores, de melhor organização do funcionamento da escola pública, de muito maior envolvimento da comunidade escolar, desde logo famílias, nos percursos educativos. Nada disto se faz sem os professores, mas desenganem-se os que pensam que tudo se resolve com tempo de serviço e dinheiro público para os colégios privados.

Na habitação, se o Governo começar por revogar tudo, por cegueira política, até mais do que ideológica, pagará um preço elevado. Há centenas de milhares de famílias apoiadas no arrendamento, há milhares de casas de habitação pública em construção. É possível buscar uma fórmula em que privados criem oferta de habitação acessível? Seria ótimo, mas não se tem visto em parte alguma da Europa. Aguardamos com expectativa.

E as reformas estruturais na Economia? Ficou claro no contraste dos dois últimos ciclos governativos que o caminho da desvalorização salarial e precarização nada resolve, e que a valorização dos salários e o apoio à inovação funciona. O que virá aí? Cortes de impostos para as maiores empresas? Para aumentar dividendos a fundos estrangeiros? Não desenvolve a economia. E as contas públicas, como ficarão?

Tudo me faz pensar que agora se inicia um período de transição para um outro tempo da nossa democracia. Montenegro quererá surpreender-nos, mostrando resiliência onde quase todos vêm improviso e fortuna (na chegada ao poder no PSD e no país). A ver vamos.

Na Turquia, o panorama político ao longo das últimas duas décadas tem sido dominado por Erdoğan. Além da erosão das normas democráticas, o atual Presidente conduziu o país para uma espiral inflacionária (atualmente perto dos 70%). No passado domingo, o povo foi às urnas e deu uma vitória categórica à oposição democrática nas eleições autárquicas.

QOSHE - Caderno de encargos - Pedro Marques
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Caderno de encargos

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04.04.2024

Numa legislatura de tensão política, dure ela o que durar, o Governo foi formado com vista ao combate na Assembleia da República e na praça pública. A direção do PSD foi mobilizada para os cargos de coordenação política e o Governo começará por tomar as medidas mais populares, ditas de emergência.

À cabeça, as expectativas remuneratórias, desde professores às forças de segurança, as quais o PS já se disponibilizou para apoiar, viabilizando um Orçamento Retificativo. Há um consenso nacional sobre estas matérias e o Governo cessante deixou uma situação orçamental mais que confortável. Não há desculpas para o novo Governo não cumprir.

Entretanto, no discurso de tomada de posse, Luís Montenegro tentou já baixar as expectativas relativamente a aumentos para estes e outros profissionais, ao mesmo tempo que mantém a redução do IRC, que beneficia sobretudo as grandes empresas. Não é um bom sinal para os........

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