O Partido Socialista que propôs ao Presidente da República substituir o primeiro-ministro demissionário, António Costa, pelo governador do banco de Portugal, Mário Centeno, para assim se manter no poder. É o mesmo PS que agora exige novas eleições na Madeira e recusa que o demissionário Miguel Albuquerque seja substituído por outra pessoa da coligação que venceu as eleições regionais em setembro?

O PSD de Luís Montenegro, que recusou a continuação do Governo de maioria absoluta do PS, após a demissão de António Costa, exigindo eleições antecipadas, é o mesmo Partido Social Democrata que agora implora a Marcelo Rebelo de Sousa a aceitação da nomeação de um substituto para Miguel Albuquerque, sem antecipação de eleições, para o partido se manter a governar a Madeira?

E o CDS de Nuno Melo, é o mesmo CDS que agora na Madeira defende o contrário do que o seu líder nacional defendeu em dezembro, após a renúncia de António Costa?

E o Presidente da República, que anunciou publicamente ir dissolver a Assembleia da República quase dois meses antes da concretização formal dessa intenção, é o mesmo Marcelo Rebelo de Sousa que não revela o que vai fazer sobre o futuro político madeirense, por estar impedido de dissolver a Assembleia Regional da Madeira durante os próximos dois meses?

Estas contradições evidentes na prática política recente são uma consequência de uma distorção do regime que já vem de longe: em teoria, nas eleições, os portugueses votam em partidos que apresentam candidatos “amarrados” a um programa político com projetos e medidas que pretendem aplicar. Em tese, portanto, o voto não é nas pessoas que lideram esses partidos, mas sim nas ideias que esses partidos defendem. Se essa “tese” fosse levada à prática, a saída de um líder de um Governo recentemente eleito quase nunca implicaria a convocação de novas eleições, pois poderia credivelmente ser substituído por outro político do mesmo partido ou coligação que tivesse subscrito o programa votado pelos portugueses.

O problema é que a batalha política das ideias foi, desde muito cedo na nossa democracia, substituída pela luta entre pessoas da política, e, apesar de o voto ser em partidos, a verdade é que o peso político individual dos candidatos “esmaga” o volume dos programas eleitorais, que até parecem não ter qualquer importância para o resultado do sufrágio.

Assim, aquilo que os líderes partidários prometem em campanha fica associado à sua pessoa e não ao seu partido - nós, nos media, até falamos muitas vezes em “candidatos a primeiro-ministro”, que é algo que nem existe - e é por isso que, quando o líder de um Governo tem de se demitir, ocorre um desabamento no suporte ao seu partido que favorece a realização de eleições antecipadas, mesmo quando o anterior ato eleitoral foi há muito pouco tempo.

O culto generalizado da personalidade política, em vez do culto das ideias políticas, é, portanto, amigo da instabilidade, coisa que, contraditoriamente, tanto assusta os mais poderosos deste país que implementaram este comportamento político - mas os seus efeitos perniciosos são, infelizmente, muito maiores.

Um deles é este: uma população treinada durante décadas, como é o caso, a preocupar-se mais com a aparência política dos líderes partidários do que com a substância política das propostas dos partidos é mais facilmente enganada por fenómenos de demagogia, mentira e manipulação; compreende mal o combate político, os debates parlamentares e não compara soluções alternativas para os mesmos problemas; é menos participativa na vida cívica, mais crente em soluções “simples” e alinha facilmente em discursos de medo, de segregação ou de ilusória radicalidade.

O culto da personalidade, em vez do culto do partido, corrompe a democracia.

André Ventura, neste momento, é em Portugal um beneficiário dessa degradação, comum no ocidente, mas antes dele muitos outros souberam usar em seu proveito este intencional esvaziamento social das ideias políticas - por isso, agora, não deviam queixar-se, pois estão a colher o que semearam durante 50 anos.


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QOSHE - Alguém ainda vota em partidos? - Pedro Tadeu
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Alguém ainda vota em partidos?

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31.01.2024

O Partido Socialista que propôs ao Presidente da República substituir o primeiro-ministro demissionário, António Costa, pelo governador do banco de Portugal, Mário Centeno, para assim se manter no poder. É o mesmo PS que agora exige novas eleições na Madeira e recusa que o demissionário Miguel Albuquerque seja substituído por outra pessoa da coligação que venceu as eleições regionais em setembro?

O PSD de Luís Montenegro, que recusou a continuação do Governo de maioria absoluta do PS, após a demissão de António Costa, exigindo eleições antecipadas, é o mesmo Partido Social Democrata que agora implora a Marcelo Rebelo de Sousa a aceitação da nomeação de um substituto para Miguel Albuquerque, sem antecipação de eleições, para o partido se manter a governar a Madeira?

E o CDS de Nuno Melo, é o mesmo CDS que agora na Madeira defende o contrário do que o seu líder nacional defendeu em dezembro, após a renúncia de António Costa?

E o Presidente da República, que anunciou publicamente ir dissolver a Assembleia da........

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