1 - Tínhamos todos a presunção de que, em Portugal, quem tinha a bomba atómica política - o poder discricionário de deitar abaixo governos através da dissolução do Parlamento, consagrado na Constituição - era o Presidente da República. Afinal, não. O Ministério Público também tem esse poder, desde que possa convencer a Procuradoria-Geral da República a elaborar um comunicado onde se diga que o Supremo Tribunal abriu um inquérito ao primeiro-ministro.

Foi o que aconteceu ontem e, provavelmente, não poderia deixar de ser assim caso queiramos continuar com uma verdadeira separação de poderes entre o poder político e o poder dos tribunais.

Mesmo se se vier a perceber que o Ministério Público cometeu um disparate, é mais saudável para o país não ter um primeiro-ministro em exercício suspeito num processo criminal do que deixá-lo no cargo sem autoridade moral e sob a inevitável suspeita de ir usar o seu poder para manipular a investigação - vejam-se exemplos lá fora (Netanyahu, de Israel, é só um deles) e os efeitos que isso teve nos países onde líderes de governos recusaram sair quando foram abertas investigações e até formalizadas acusações criminais contra eles.

O imediato autossacrifício político de António Costa, assim que se soube do comunicado da Procuradoria, é um serviço ao país e deve ser reconhecido.

2 - A queda deste Executivo, num contexto em que parece absurdo procurar outra solução governativa dentro do Parlamento, implicará a realização de eleições, provavelmente no final de janeiro.

Antes disso tem de se resolver se a dissolução da Assembleia da República (ou da formalização da queda do Governo: tudo depende da interpretação jurídica relevante para este efeito) é feita antes da aprovação na especialidade do Orçamento Geral do Estado, que em princípio ocorreria no final deste mês.

Estando o documento já aprovado na generalidade - o que aconteceu antes desta crise - há uma legitimidade política formal para que ele entre em vigor se, depois da discussão na especialidade, a maioria absoluta do Partido Socialista o impuser na atual Assembleia da República.

Mas será correto, quando se pode evitar isso, obrigar o próximo Governo, que provavelmente tomará posse em março, a executar um Orçamento que não elaborou?... Não parece.

Por outro lado, se o Orçamento acabar por cair, isso significa que ficam anuladas todas as verbas adicionais previstas para a Saúde, o ensino, os aumentos salariais da Função Pública, das pensões, as reduções do IRS, os apoios às rendas, etc.

Um novo Orçamento de um novo Governo, se for aprovado na Assembleia da República à primeira (o que não é certo), só entrará em vigor, na prática, na segunda metade de 2024. Isto significa que muitas faixas da população, dadas as limitações de uma governação gerida por duodécimos, vai passar o próximo ano a viver com menos dinheiro no bolso do que aconteceria com um Orçamento aprovado agora, mesmo sendo um mau orçamento.

É racional deixar cair as medidas, mesmo fraquitas e aquém das necessidades, que amparavam minimamente muitos portugueses num contexto de crise mundial, que provavelmente se agravará no próximo ano?... Não parece.

A governação em 2024 com duodécimos do Orçamento de 2023, durante mais de meio ano, provavelmente só vai beneficiar a redução do défice e o pagamento da dívida externa. As agências de rating devem adorar. Serão as únicas.

Este é o dilema, aparentemente sem uma boa solução, que a classe política tem para enfrentar, em particular Marcelo Rebelo de Sousa, que tem o poder de dissolver o Parlamento antes da votação final do Orçamento - se não o fizer está a condicionar o próximo Governo; se o fizer, está a prejudicar o dia a dia de curto prazo de muitos portugueses.

3 - Do ponto de vista da luta eleitoral que se segue, com um Partido Socialista inevitavelmente fragilizado (a luta interna promete ser brutal e ainda mais debilitante para esse partido) e uma esquerda sem mostrar sinais de ter uma proposta política mobilizadora, parece ter chegado a hora da direita voltar ao poder - com ou sem Chega, logo se vê. Bastará para isso que o PSD fique com um deputado a mais do que qualquer outro partido e que a esquerda, em conjunto não, consiga uma maioria no Parlamento - as sondagens dos últimos meses e a crise política de ontem, somadas, admitem a lógica desse resultado.

Pode até acontecer que o futuro líder do PS decida viabilizar um Governo minoritário do PSD ou, até, vir a alinhar com ele num bloco central.

Resumindo: a esquerda à esquerda do PS só impedirá a sua degradação e a chegada ao poder da direita (ou das suas políticas mais extremas) se tiver um golpe de asa durante o próximo mês. Se continuar no regime habitual, trama-se...

Jornalista

QOSHE - Chegou a hora da direita? - Pedro Tadeu
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Chegou a hora da direita?

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08.11.2023

1 - Tínhamos todos a presunção de que, em Portugal, quem tinha a bomba atómica política - o poder discricionário de deitar abaixo governos através da dissolução do Parlamento, consagrado na Constituição - era o Presidente da República. Afinal, não. O Ministério Público também tem esse poder, desde que possa convencer a Procuradoria-Geral da República a elaborar um comunicado onde se diga que o Supremo Tribunal abriu um inquérito ao primeiro-ministro.

Foi o que aconteceu ontem e, provavelmente, não poderia deixar de ser assim caso queiramos continuar com uma verdadeira separação de poderes entre o poder político e o poder dos tribunais.

Mesmo se se vier a perceber que o Ministério Público cometeu um disparate, é mais saudável para o país não ter um primeiro-ministro em exercício suspeito num processo criminal do que deixá-lo no cargo sem autoridade moral e sob a inevitável suspeita de ir usar o seu poder para manipular a investigação - vejam-se exemplos lá fora (Netanyahu, de Israel, é só um deles) e os efeitos que isso teve nos países onde líderes de governos recusaram sair quando foram abertas investigações e até formalizadas acusações criminais contra eles.

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