O PSD votou ao lado do Chega contra uma proposta de lei que todos os outros partidos parlamentares portugueses concordaram em votar a favor: a proibição das chamadas "terapias de conversão sexual".

Também conhecidas como "terapias reparativas" ou "terapias de reorientação sexual", estes supostos tratamentos físicos, psicológicos ou espirituais tentam mudar a orientação sexual de uma pessoa (de homossexual ou bissexual para heterossexual) ou o seu género (de transgénero para cisgénero).

Elas partem do princípio de que determinada orientação sexual ou identidade de género de uma pessoa pode ser "anormal" ou "indesejável" e deve ser alterada.

Numa explicação dada ao site Polígrafo, o partido de Luís Montenegro, o homem que jura que quando diz "não" a um hipotético futuro casamento político com o Chega quer mesmo dizer "não", tenta-se explicar que o PSD não estava contra a intenção da alteração proposta ao Código Penal, mas estava contra a forma como ela aconteceu.

O Polígrafo informa ter recebido uma declaração de voto do PSD (que não encontrei no site da Assembleia da República, mas pode ser um atraso de publicação), onde os sociais-democratas explicam por que votaram contra: "O diploma insere o novo tipo de crime nos crimes sexuais quando, do ponto de vista jurídico-penal, se trata de um crime contra a liberdade pessoal"; "as penas acessórias que estão previstas no diploma são desadequadas e desproporcionadas (...)"; "era fundamental auscultar especialistas na área de forma a que este processo legislativo corresse com a qualidade e normalidade que a matéria nos merece", mas, alega-se, o PS inviabilizou tais audições "usando o "rolo compressor" da maioria absoluta" para aprovar a lei em causa sem, "quaisquer dados científicos e adequação jurídico-penal".

Ponho-me na posição de um deputado do PSD que pensasse exatamente isto que foi explicado ao Polígrafo: estava de acordo com a intenção da lei, mas a sua formulação parecia-me errada.

Mediria na minha consciência o peso, de um lado, dos direitos das pessoas que possam ser sujeitas à violência das terapias de conversão sexual por não existir uma lei que as proteja e, do outro lado, o peso de achar que o enquadramento jurídico proposto não era o adequado e que as penas previstas eram excessivas...

Confrontando as duas hipóteses, não poderia hesitar: o bem que, neste caso, se faz com esta lei é muito superior aos males que as suas eventuais deficiências possam conter e, por isso, nunca poderia votar contra. Talvez, enfim, se estivesse com as dúvidas do PSD me abstivesse só para assinalar as reservas que tinha sobre a forma adotada pelo texto aprovado, mas votar negativamente implicaria alinhar com quem está a favor destas terapias de conversão sexual - e isso seria violar a minha consciência.

O PSD pôs-se, com reservas, mas na prática, ao lado do incivilizado Chega na admissão da brutalidade contra as pessoas LGBTQ+. Será, afinal, este o início da 'terapia de conversão' de Luís Montenegro a André Ventura?

O último argumento apresentado pelo PSD parece-me um exercício de hipocrisia política: por que carga de água é preciso ouvir mais especialistas para ajuizar este assunto, quando autoridades médicas de todo o mundo já denunciaram amplamente, e há muitos anos, a fraude desses supostos tratamentos e até, na sequência da abertura do debate no Parlamento e da discussão pública sobre o tema, quer o Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, quer o Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida tomaram uma posição clara de condenação e denúncia da fraude científica desse tipo de "terapêuticas"?

Mais: se um deputado não consegue, por si só, com a sua cabecinha, sem recorrer a "especialistas", perceber a dimensão humana deste problema, então tem claramente um conflito com a parte dos direitos, liberdades e garantias da Constituição que jurou respeitar.

Sim, por vezes as medidas de proteção e discriminação positiva da comunidade LGBTQ+ que nos últimos anos têm sido debatidas caem num simplório exagero, contraproducente para a manutenção e para o crescimento do apoio generalizado da legislação dos direitos dessas pessoas, mas este caso é claríssimo: trata-se de tentar impedir que alguém possa constranger outro alguém a tentar ser outro alguém - e permitir a continuação disso é pura violência, é incivilização.

O PSD pôs-se, com reservas, mas na prática, ao lado do incivilizado Chega na admissão da brutalidade contra as pessoas LGBTQ+. Será, afinal, este o início da "terapia de conversão" de Luís Montenegro a André Ventura?

Jornalista

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O PSD está a fazer uma terapia de conversão?

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27.12.2023

O PSD votou ao lado do Chega contra uma proposta de lei que todos os outros partidos parlamentares portugueses concordaram em votar a favor: a proibição das chamadas "terapias de conversão sexual".

Também conhecidas como "terapias reparativas" ou "terapias de reorientação sexual", estes supostos tratamentos físicos, psicológicos ou espirituais tentam mudar a orientação sexual de uma pessoa (de homossexual ou bissexual para heterossexual) ou o seu género (de transgénero para cisgénero).

Elas partem do princípio de que determinada orientação sexual ou identidade de género de uma pessoa pode ser "anormal" ou "indesejável" e deve ser alterada.

Numa explicação dada ao site Polígrafo, o partido de Luís Montenegro, o homem que jura que quando diz "não" a um hipotético futuro casamento político com o Chega quer mesmo dizer "não", tenta-se explicar que o PSD não estava contra a intenção da alteração proposta ao Código Penal, mas estava contra a forma como ela aconteceu.

O Polígrafo informa ter recebido uma declaração de voto do PSD (que não encontrei no site da Assembleia da República, mas pode ser um atraso de........

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