Passos Coelho apareceu ontem a dizer que António Costa se demitiu "por indecente e má figura". Fiquei a tentar lembrar-me se essa mesma pessoa, primeiro-ministro de Portugal de 2011 a 2015, fez na altura uma boa e decente figura.

Passos Coelho, que acusa Costa pela degradação social do país, foi o primeiro-ministro que, a braços com a exigência de austeridade imposta pela troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) decorrentes de um empréstimo ao Estado português, decidiu que se deveria "ir além da troika". Ele obrigou os portugueses a passarem por dificuldades ainda maiores.

Passos Coelho, que acusa Costa de degradar as políticas públicas, quis implementar uma nova política pública na Segurança Social, propondo uma subida na Taxa Social Única para os 36%, mas obrigando os trabalhadores a pagar mais e fazendo um grande desconto aos patrões. Um milhão de pessoas foi para a rua protestar contra essa figura que Passos Coelho então fez.

Passos Coelho, que acusa Costa de não conseguir criar mais riqueza, encontrou o país, no final de 2011, com um PIB de 176 mil milhões de euros. Quando saiu, no final do ano de 2015, deixou um PIB de 179 mil milhões. Quando a geringonça deixou de funcionar, no final de 2021, o PIB foi de 216 mil milhões. Em 2022 foi de 242 mil milhões. Os números oficiais são muito piores para Passos do que para Costa.

António Costa foi um mau primeiro-ministro, mas Passos esteve, no mínimo, ao mesmo nível. PS e PSD, que controlam este país há quase 50 anos, antes de atirarem pedras aos telhados um do outro deviam lembrar-se dos seus próprios telhados de vidro.

Houve muitos casos, casinhos, coisas inenarráveis e muitas outras ocorrências bastante graves no Governo de maioria absoluta de António Costa. Mas Passos Coelho não fez melhor figura: Miguel Relvas demitiu-se por causa de uma licenciatura duvidosa, a ministra Assunção Cristas revelou que deu o seu acordo ao processo de resolução do BES na praia, por SMS, naquilo a que chamaram "conselho de ministros virtual"; o vice-primeiro-ministro Paulo Portas apresentou uma demissão "irrevogável" que cancelou pouco depois; a privatização da TAP, que permitiu um negócio suspeito a David Neeleman com os aviões Airbus, foi decidida com um Governo, na prática, demissionário; houve o escândalo das swaps, inventaram-se os "vistos gold", acabaram-se com vários feriados, etc., etc...

Passos Coelho queixa-se da degradação dos serviços públicos, mas foi ele que congelou carreiras e salários na Função Pública, que é a raiz do problema que hoje vivemos, por exemplo, na Saúde e na Educação - e sim, Costa tinha a obrigação de ter resolvido isso, não o fez por opção política e obediência ao cânone da União Europeia, mas isso não nos deve fazer esquecer o mal que vinha de trás.

E há algumas frases do primeiro-ministro Passos Coelho que é bom recordar sobre a forma como ele entende o funcionamento do Estado.

Ele defendeu "a passagem de um Estado prestador de serviços para um Estado regulador", assim uma espécie de Alta Autoridade de coisas genéricas.

Ele advogou que a Educação e a Saúde deviam ser asseguradas pelo sector privado ou pagos ("co-financiados", era a expressão usada) pelos utilizadores.

Ele preconizou que o Estado "precisa de ter, para além do controlo democrático do Parlamento, o que podemos chamar de conselhos de opinião ou conselhos consultivos". Para quê? Para, pagos pelo Estado, "regular" o próprio Estado. Eis um belo instrumento de controlo político, de distribuição de "tachos" e de aumento da riqueza para escritórios de advogados, consultores e outros "técnicos" não-eleitos!

Mesmo do ponto de vista da ética, do comportamento pessoal exemplar, Passos Coelho tem, pelo menos, um "rabo de palha". Na verdade, entre 1999 e 2004, quando trabalhou a recibos verdes por 2500 euros mensais na empresa Tecnoforma (para além de uns trocos ganhos a colaborar com a empresa LDN e a associação URBE) o primeiro-ministro não pagou uns parcos 77 a 96 euros mensais à Segurança Social.

É uma falha menor que, para mim, não o tira do lado das pessoas honestas, mas que foi um erro grave para um político. Para quem se põe a acusar adversários de "indecente e má figura" esse erro pessoal deveria, pelo menos, fazê-lo refletir na ponderação e justeza do vitupério, semelhante, de resto, ao que ele próprio ouviu quando foi confrontado com essa falha.

António Costa foi um mau primeiro-ministro, mas Passos esteve, no mínimo, ao mesmo nível.

PS e PSD, que controlam este país há quase 50 anos, antes de atirarem pedras aos telhados um do outro deviam lembrar-se dos seus próprios telhados de vidro.

Jornalista

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Passos Coelho fez uma boa e decente figura?

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20.12.2023

Passos Coelho apareceu ontem a dizer que António Costa se demitiu "por indecente e má figura". Fiquei a tentar lembrar-me se essa mesma pessoa, primeiro-ministro de Portugal de 2011 a 2015, fez na altura uma boa e decente figura.

Passos Coelho, que acusa Costa pela degradação social do país, foi o primeiro-ministro que, a braços com a exigência de austeridade imposta pela troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) decorrentes de um empréstimo ao Estado português, decidiu que se deveria "ir além da troika". Ele obrigou os portugueses a passarem por dificuldades ainda maiores.

Passos Coelho, que acusa Costa de degradar as políticas públicas, quis implementar uma nova política pública na Segurança Social, propondo uma subida na Taxa Social Única para os 36%, mas obrigando os trabalhadores a pagar mais e fazendo um grande desconto aos patrões. Um milhão de pessoas foi para a rua protestar contra essa figura que Passos Coelho então fez.

Passos Coelho, que acusa Costa de não conseguir criar mais riqueza, encontrou o país, no final de 2011, com um PIB de 176 mil milhões de euros. Quando saiu, no final do ano de 2015, deixou um PIB de 179 mil milhões. Quando........

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