“Amanhã é um novo dia de Primavera para o nosso país” (Turquia), disse Ekrem Imamoglu no domingo véspera do primeiro de abril, a propósito da vitória esmagadora que o seu partido obteve nas eleições autárquicas de 31 de março. O Partido Popular Republicano garantiu a Imamoglu manter-se enquanto Edil de Istambul, mas também garantiu vitórias esclarecedoras de um vento de mudança em Ancara, Adana, Bursa e Antália, importantes centros urbanos com raízes no vasto rural que os rodeiam e os acompanhou na mudança de tendência de voto. Este cenário repetiu-se em seis das sete maiores cidades da Turquia, sendo o resultado devastador para o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), do Presidente (PR) Erdogan, apesar do AKP manter 39 dos 81 municípios.

Quanto ao PR Erdogan, chamou o momento de “ponto de viragem”, aumentando a especulação sobre se se prepara para uma saída à “muçulmano de bem”, cujo bom senso lhe proporciona a lucidez do timing e do lastro das missões cumpridas e falhadas, que dão sentido de finitude à Criatura perante o Criador. Verdade é, que já afastou um cenário de eleições antecipadas para se poder prolongar mais na presidência, indicador de uma vontade. Pessoalmente não acredito. Porquê?

Porque o caminho para esta derrota inclui uma variedade de veredas plenas de traição. Em resumo, o antigo aliado de Erdogan, o Partido (islamista) Yeniden Refah, um “Novo Bem-Estar Comum”, que emana do carisma do “homem santo da aldeia/vila”, no caso Neemettin Erbakan, o mentor do jovem Erdogan, que se iniciou na política debaixo deste teto, o Movimento/”Confraria” Milli Gorus. É daqui que surgem as dissidências e se forma o AKP (2002), excluindo Erbakan. O filho deste, Fatih Erbakan, relança o Partido em 2018 e apoia Erdogan nas Presidenciais de 2023, para agora lhe servir fria esta evidência de mudança, que também obedecerá a uma inevitável mudança geracional que roubou votos, mais duas províncias ao AKP em 2024!

Este é o condimento principal para não fazer Erdogan “atirar a toalha ao chão”, que lhe “dará gás para a extra mile”, em nome do Islão. Com 70 anos, há nove que vive um sentimento de “tempo extra” único dos muçulmanos, cuja referência é a idade da morte do Profeta, aos 61/62 anos. Tudo o que se viver depois disso é uma Graça de Allah, uma bênção que deverá ser duplamente aproveitada, em oração e acções. Erdogan, qual “self-made-man”, vê na sua obra o seu filho e tal como todos os pais, nunca sabem quando “largar o osso”, quando passar o testemunho. E o que Erdogan não quer, é passar a “tocha do Islão” a este grupo de muçulmanos confréricos, sincréticos e sufis, cuja reforma proposta pelo AKP em 2002 dizia mais ou menos, “isto é um pobo que é todo para ir à bida”!

Quanto aos turcos, confirmam a sinusoidal que a História é e de como se faz, regressando à grande referência que sempre os pautou enquanto “portugueses do Oriente”, que ajeitam os dogmas religiosos às tradições e ao conforto. Ekrem Imamoglu representa essa maioria silenciosa a que geralmente chamamos de “moderados”, e que a partir de segunda-feira começou a aparecer nos écrans turcos a dizerem-se arrependidos por terem apoiado incondicionalmente Erdogan e o AKP no passado. Imamoglu “apenas” terá de se apresentar enquanto federador das “confrarias do Oriente” para garantir umas presidenciais renhidas em 2028.

Nesse ano a Turquia poderá substituir o “Sultão” por um “Dervixe” e iniciar nova tendência na Ummah, a dos “islões populares”. Ora foi contra isso mesmo que Erdogan lutou, para se poder afirmar enquanto Rachid dos turcos, o Guia!

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia

QOSHE - “Primavera Turca”? - Raúl M. Braga Pires
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“Primavera Turca”?

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05.04.2024

“Amanhã é um novo dia de Primavera para o nosso país” (Turquia), disse Ekrem Imamoglu no domingo véspera do primeiro de abril, a propósito da vitória esmagadora que o seu partido obteve nas eleições autárquicas de 31 de março. O Partido Popular Republicano garantiu a Imamoglu manter-se enquanto Edil de Istambul, mas também garantiu vitórias esclarecedoras de um vento de mudança em Ancara, Adana, Bursa e Antália, importantes centros urbanos com raízes no vasto rural que os rodeiam e os acompanhou na mudança de tendência de voto. Este cenário repetiu-se em seis das sete maiores cidades da Turquia, sendo o resultado devastador para o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), do Presidente (PR) Erdogan, apesar do AKP manter 39 dos 81 municípios.

Quanto ao PR Erdogan, chamou o momento de “ponto de viragem”, aumentando a especulação sobre se se prepara para uma saída à “muçulmano de bem”, cujo bom senso lhe proporciona a........

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