Com o mandato da United Nations Support Mission in Libya (UNSMIL) a terminar em outubro, o Enviado Especial de Guterres, o senegalês Abdoulaye Bathily, continua a ter como prioridade estabelecer consensos entre as facções rivais, para pelo menos garantir uma extensão de mandato, caso se encontrem equilíbrios para se projectarem eleições legislativas e presidenciais, até 31 de dezembro do corrente ano.

A Líbia, por não abrir telejornais, não significa que esteja mais calma. Recentemente, durante as celebrações do Eid al-Fitr (fim de Ramadão), o confronto seguiu o habitual roteiro da Chicago dos Anos 20! Veja-se, sem aspas, porque vai mesmo ver:

Quinta-feira 11, a Polícia Judicial, aliada da Força Especial de Dissuasão (RADA), deteve dois membros do Aparelho de Suporte de Estabilidade (SSA), liderado por Abdul Ghani al-Kikli. O SSA deteve depois dois elementos da Polícia Judicial. Seguiram-se confrontos na capital Trípoli entre a SSA e esta Polícia apoiada pela RADA, na zona da Estrada do Aeroporto, em Abu Salim.

De seguida a Directoria da Segurança de Trípoli avança com o bloqueio das estradas circundantes à “escaramuça”. Aliás, a medida desta Directoria foi a mais sensata deste episódio, já que impediu todos os outros grupos do “Cartel de Trípoli”, em acederem ao local e tomarem um partido. Mobilizados para isso estavam!

O “Cartel de Trípoli” é a mesa exclusiva onde se sentam os principais “grupos de interesse-barra-militares” que dominam, ou lutam pelo domínio, dos principais activos líbios, os quais giram à roda do petróleo, electricidade, banca, portos, ministérios, segurança privada/paramilitares! Porque é que este modelo se impôs? Porque foi o modelo que em 2016 permitiu à UNSMIL compor o Governo do Acordo Nacional (GAN) à sua medida. Ou seja, as Nações Unidas tiveram que compactuar com a partilha do bolo pela força e não subsequente à dinâmica democratizante a implementar.

As Nações Unidas estão de momento politicamente reféns dos mesmos que “mais-do-que-tacitamente” aceitaram após o estabelecimento do GAN em 2016, o qual tomou posse com a função primordial de organizar eleições. Entretanto, os políticos com assento no Cartel, foram esgrimindo rivalidades e ambições, à medida que mantinham equilíbrios, sempre interrompidos por “escaramuças” como a da semana passada, geralmente resolvidas no mesmo dia, com troca de prisioneiros. Porquê? Porque no fundo todas as milícias pertencem ao GAN e a lógica tem sido invertida, a da distribuição do espólio antes da guerra começar, tal é a riqueza do país!

Porque uma nova guerra civil equivalerá a primos lutarem contra primos e irmãos contra irmãos, já que as três anteriores (guerras civis, 2011-19, período geralmente apelidado simplesmente por “guerra civil”), esboroaram certas lógicas de fidelidades étnicas e regionais, em prol do vil metal! Território, militares/paramilitares, fidelidades e valores foram “sirianizados” nos últimos 10 anos, provocando uma maior complexidade a um “Governo Central de Trípoli”, reconhecido pela ONU, que insiste em não assumir a Federação enquanto prospectiva futura, pelo menos, de dividir os problemas em três (Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan), em vez de os concentrar na capital. Porquê?

Porque o “espólio pré-guerra” ainda intacto é do tamanho do país e porque a gula, a soberba e a avareza são da condição humana independentemente da geografia e do Livro. Quanto a eleições, vamos continuar atentos até 31 de dezembro!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt (em reparação). Escreve de acordo com a antiga ortografia

QOSHE - Líbia, há 10 anos sem eleições! - Raúl M. Braga Pires
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Líbia, há 10 anos sem eleições!

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19.04.2024

Com o mandato da United Nations Support Mission in Libya (UNSMIL) a terminar em outubro, o Enviado Especial de Guterres, o senegalês Abdoulaye Bathily, continua a ter como prioridade estabelecer consensos entre as facções rivais, para pelo menos garantir uma extensão de mandato, caso se encontrem equilíbrios para se projectarem eleições legislativas e presidenciais, até 31 de dezembro do corrente ano.

A Líbia, por não abrir telejornais, não significa que esteja mais calma. Recentemente, durante as celebrações do Eid al-Fitr (fim de Ramadão), o confronto seguiu o habitual roteiro da Chicago dos Anos 20! Veja-se, sem aspas, porque vai mesmo ver:

Quinta-feira 11, a Polícia Judicial, aliada da Força Especial de Dissuasão (RADA), deteve dois membros do Aparelho de Suporte de Estabilidade (SSA), liderado por Abdul Ghani al-Kikli. O SSA deteve depois dois elementos da Polícia Judicial.........

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