A recente sugestão da criação do “estatuto de mulher dona de casa” significa, por si só, um retrocesso de décadas na forma como o papel dos homens e das mulheres tem vindo a ser concetualizado em Portugal. Constitui uma ofensa para as mulheres, mas também para os homens.
Que a maternidade está associada às mulheres, isso não se questiona. Tal como a paternidade está associada aos homens. E é por carregar no ventre um bebé durante nove meses que a mulher é, necessariamente, mais capaz e competente para cuidar dos filhos? A resposta é não, ou não teríamos em Portugal (e no mundo) as prevalências que temos, relativamente à negligência e aos maus-tratos sobre crianças, acima de tudo perpetrados pelas figuras maternas. O amor materno não é inato, tal como inato não é o amor paterno. Constroem-se ambos na relação com os filhos. Falamos, portanto, de um laço afetivo que precisa de tempo e de envolvimento.
Assim, da mesma forma que as mulheres podem ser capazes de desempenhar com brio as tarefas de casa e cuidar dos filhos, também os pais (homens) o podem fazer. Pois não se conhece um qualquer gene para se ser “dona de casa”, exclusivo de quem nasce com um útero e uma vagina.
As mulheres podem optar por não trabalhar e ficar em casa a cuidar dos filhos. É um direito que têm - pensar de forma crítica e efetuar escolhas com as quais se sintam confortáveis.
E os homens também.
As mulheres sabem limpar o pó, cozinhar arroz e pôr uma máquina de roupa a lavar.
Os homens também.
E as mulheres podem também optar por trabalhar fora de casa e equilibrar a vida familiar e a profissional. Se é fácil? Não, não é. Sabemos que as mulheres são mais sobrecarregadas com as tarefas domésticas do que os homens. Face a isto, as mulheres não pedem ainda mais tarefas domésticas, porque apenas elas as sabem realizar. Pedem, sim, maior igualdade na gestão do espaço privado. E os homens agradecem, especialmente se pensarmos nos cuidados das crianças, que os pais reclamam (e bem) cada vez mais.
E é esta mesma igualdade no espaço privado que se reclama, também, no domínio público. Que homens e mulheres possam escolher a carreira profissional que bem entenderem, que sejam igualmente remunerados e reconhecidos e que possam, ambos, se assim desejarem, conquistar o mundo. Na perspetiva das crianças, podemos ainda afirmar que os seus direitos apenas podem ser salvaguardados se ambos os pais virem os seus direitos assegurados, em casa e no trabalho.
Reclamamos, portanto, o “estatuto de mulher dona do mundo”, extensível a todos os homens.