Em 1974, a população feminina empregada representava apenas 29,7% do total da população empregada em Portugal. Em 2023, segundo a Pordata, a distribuição entre sexos era, praticamente, paritária, com as mulheres a representarem 49,68% da população empregada no país. Curiosamente, as transformações no mercado de trabalho (e nas dinâmicas familiares) são mais profundas.

Na Lapa, um bairro típico e abastado de Lisboa, ela é sócia de uma das maiores sociedades de advogados do país, ele trabalha para uma consultora britânica. Em Viseu, ela é pediatra no Hospital de São Teotónio, ele trabalha para uma big tech americana. Em Évora, ela é professora universitária e investigadora, ele trabalha para o Banco Mundial. Apesar dos ainda existentes estereótipos de género – referidos num estudo publicado há 1 ano pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego – que influenciam quer a escolha das áreas da formação profissional, quer as vivências no local de trabalho, parece estar a surgir uma nova tendência, sobretudo, entre as classes socioeconómicas mais elevadas e instruídas. Os homens trabalham (remotamente) em casa, enquanto as mulheres saem para trabalhar.

Não se trata, então, de um revivalismo onde os papéis se invertem. Afinal, os homens continuam a trabalhar, não predominantemente responsáveis pelas tarefas domésticas e por cuidar dos filhos. No entanto, esta tendência reflete um efeito subestimado do aumento do teletrabalho: o aumento dos “donos de casa”.

Como o estudo suprarreferido também demonstra, homens e mulheres continuam a especializar-se em diferentes tipos de trabalho. Deste modo, o desequilíbrio verificado no setor da informática e das engenharias – que têm maior flexibilidade quanto ao regime de trabalho – traduz-se num desproporcional desempenho dos trabalhos remotos por homens. Por outro lado, a prevalência das mulheres em determinadas faculdades indica-nos que, noutras profissões ainda predominadas por homens, observaremos uma inversão do status quo. Assim, entre os mais jovens, é mais provável que elas venham a ser advogadas ou médicas do que eles.

Resumidamente, é mais fácil para os homens trabalharem a partir de onde quiserem. A título exemplificativo, nos Estados Unidos, 38% dos homens têm a possibilidade de trabalhar à distância a tempo inteiro, contra 30% das mulheres, revelou um estudo da McKinsey & Company. Mais, cerca de metade das mulheres afirmaram não poder trabalhar remotamente, em comparação com 39% dos homens. Não obstante, esta maior flexibilidade laboral dos homens, contrariamente ao que possa parecer, não é má para as mulheres. A liberdade de não estar amarrado à localização geográfica do parceiro, como defende a recém laureada com o Prémio Nobel da Economia, Claudia Goldin, parece ser até benéfica.

Além disso, embora que preliminares, parece haver também evidências de que esta evolução contribui para que: i) haja um aumento da taxa de natalidade; ii) os casais se dediquem mais aos cuidados infantis e às tarefas domésticas; iii) a probabilidade de trabalhadores remotos solteiros casarem seja “significativamente maior”; iv) aumentem as intenções de ter filhos nas mulheres com mais de 35 anos, ou nas mulheres com mais do que um filho.

Então, se queremos conversar sobre família, não desconversemos. Proteger a família, seja qual for a sua tipologia, é simples e resume-se em menos de 200 páginas: plena a igualdade de género, reforço dos direitos dos trabalhadores – em particular, de pais e mães – e apoios fiscais.

QOSHE - Se queremos conversar sobre família, não desconversemos - Tiago Gaspar
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Se queremos conversar sobre família, não desconversemos

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12.04.2024

Em 1974, a população feminina empregada representava apenas 29,7% do total da população empregada em Portugal. Em 2023, segundo a Pordata, a distribuição entre sexos era, praticamente, paritária, com as mulheres a representarem 49,68% da população empregada no país. Curiosamente, as transformações no mercado de trabalho (e nas dinâmicas familiares) são mais profundas.

Na Lapa, um bairro típico e abastado de Lisboa, ela é sócia de uma das maiores sociedades de advogados do país, ele trabalha para uma consultora britânica. Em Viseu, ela é pediatra no Hospital de São Teotónio, ele trabalha para uma big tech americana. Em Évora, ela é professora universitária e investigadora, ele trabalha para o Banco Mundial. Apesar dos ainda existentes estereótipos de género – referidos num estudo publicado há 1 ano pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego – que........

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