Apesar das referências aos votos em falta da emigração, os dois principais partidos já tiraram conclusões quase definitivas sobre os resultados das legislativas. Matematicamente, o apuramento das mesas da Europa e Fora de Europa ainda pode alterar o cenário, mas mesmo assim a votação extraterritorial continua a ser menosprezada. Já estávamos habituados a que o Presidente da República recebesse os partidos em Belém e que o primeiro-ministro indigitado destilasse a composição do novo Governo antes mesmo que fossem contabilizados os boletins além-fronteira. Doravante, são ignorados mesmo que possam ter alguma repercussão na contagem final. A diáspora continua a ser um dos parentes pobres da nossa democracia.

Uma questão recorrente tem a ver com o número de mandatos: dois para cada um destes círculos eleitorais. No pós-25 de Abril, instituiu-se que quatro seriam suficientes para representar os portugueses que vivem lá fora, seja qual for o número de eleitores recenseados, que atualmente se cifra em 937 185 (Europa) e 609 345 (Fora da Europa). Hoje, 1 546 490 emigrantes designam quatro deputados, enquanto 1 591 947 eleitores do distrito do Porto escolhem 40 e 163 163 residentes na Guarda elegem quatro. Se é compreensível que os residentes no território nacional tenham mais representatividade, já não se entende que o número de mandatos pela emigração seja inamovível há quase cinco décadas. Como também não se entende o critério de escolha dos respetivos candidatos.

De acordo com o recenseamento efetuado pelo Lusojornal, órgão de informação bilingue sediado em Paris, nove dos 17 partidos que agora concorreram na Europa nem sequer acharam por bem apresentar candidatos residentes fora do território nacional (ADN, Ergue-te, Iniciativa Liberal, MPT.A, Nós Cidadãos, Nova Direita, PAN, PCTP/MRPP e RIR). Neste círculo eleitoral, o Partido Socialista manteve inclusivamente o cabeça de lista Paulo Pisco – deputado há um quarto de século, com apenas dois mandatos de interrupção – enquanto Fora da Europa conservou Augusto Santos Silva, ambos sem qualquer vínculo à emigração. Se acrescentarmos que, desde o 25 de Abril, o social-democrata Carlos Gonçalves foi – durante escassos oito meses (17/07/04 -12/03/05) – o único Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas residente no estrangeiro, torna-se evidente a escassa consideração por quem vive lá fora.

A representatividade dos portugueses da diáspora é de tal modo ínfima que os principais partidos quase sempre se esquivam a apresentar propostas eleitorais concretas, limitando-se a reciclar, legislatura após legislatura, as mesmas promessas abstratas. Para dar apenas um exemplo, nas eleições de 10 de março, o PS comprometeu-se a reforçar o apoio ao associativismo, a valorizar a cultura, os luso-eleitos, os jovens e as mulheres, assim como a modernizar os serviços consulares; o mesmo refrão dos últimos 50 anos. Apenas as alíneas relativas a uma fórmula tributária “justa e equilibrada” na mudança de residência fiscal para Portugal e ao fim da apreensão de viaturas com matrícula estrangeira para os detentores da carta de condução portuguesa traziam alguma novidade. Amiúde, os candidatos favoritos não se comprometem com medidas tangíveis ou então voltam com a palavra atrás, como aconteceu com o voto eletrónico e as propinas para as aulas de português. Não que sejam menos íntegros que os colegas de bancada, mas não têm peso no hemiciclo.

Sem ter em conta estes dados contextuais – já abordámos as modalidades de votação na primeira parte da reflexão – quase sempre se aponta o dedo a quem vive lá fora pelas elevadíssimas taxas de abstenção (89% em 2022). Embora os números apontem este ano para a maior participação de sempre – 286 000 boletins recebidos até dia 14 (18,5% dos eleitores), mas há já quem preveja mais de 350 000 até dia 20 –, é bom não esquecer que em 2019 e 2022 foram anulados cerca de um terço, quase sempre por razões atinentes à especificidade dos procedimentos como a inclusão da fotocópia do cartão de cidadão. Nas últimas legislativas, o Tribunal Constitucional mandou repetir o escrutínio no círculo da Europa devido às irregularidades associadas à anulação de 157 000 votos, após os recursos apresentados pelo Chega, PAN, Livre e Volt Portugal. A ver vamos até quando o poder legislativo continuará a fez ouvidos de mercador…

QOSHE - Ei-los que partem, ei-los que (não) votam (2) - Manuel Antunes Da Cunha
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Ei-los que partem, ei-los que (não) votam (2)

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16.03.2024

Apesar das referências aos votos em falta da emigração, os dois principais partidos já tiraram conclusões quase definitivas sobre os resultados das legislativas. Matematicamente, o apuramento das mesas da Europa e Fora de Europa ainda pode alterar o cenário, mas mesmo assim a votação extraterritorial continua a ser menosprezada. Já estávamos habituados a que o Presidente da República recebesse os partidos em Belém e que o primeiro-ministro indigitado destilasse a composição do novo Governo antes mesmo que fossem contabilizados os boletins além-fronteira. Doravante, são ignorados mesmo que possam ter alguma repercussão na contagem final. A diáspora continua a ser um dos parentes pobres da nossa democracia.

Uma questão recorrente tem a ver com o número de mandatos: dois para cada um destes círculos eleitorais. No pós-25 de Abril, instituiu-se que quatro seriam suficientes para representar os portugueses que vivem lá fora, seja qual for o número de eleitores recenseados, que atualmente se cifra em 937 185 (Europa) e 609 345 (Fora da Europa). Hoje, 1 546 490 emigrantes designam quatro........

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