Desde os primórdios da minha infância, já lá vão algumas décadas, sempre conheci o “Arco da Porta Nova” tal como é. E lembro-me de, nessa altura, perguntar ao meu saudoso pai, que calcorreava as ruas da cidade, se a “porta” que ali havia a venderam ou sumiu. Ao que o meu progenitor, me explicou que foi retirada para as pessoas entrarem livremente na cidade. Daí, continuar a prevalecer a relíquia histórica do “Arco”.

Em 25ABR74, foi derrubada a ditadura com a finalidade de ser reposto ao povo português o direito à liberdade, à formação de partidos políticos e à escolha dos seus governantes através do voto. O que só viria a ser validado em 25NOV75, graças a um movimento militar que, finalmente, nos legou a democracia pluralista e liberal até ao dia de hoje.

Caso contrário, teríamos uma porta entreaberta a outra ditadura, só que do tipo daquelas que existiram nos países de leste, obedientes a Moscovo. Daí, a tal ação que visou arredar com a intenção de algumas forças políticas pretenderem fechar outras forças políticas à chave no país.

Pois bem, passados 50 anos é a liberdade e a democracia que me permitem ter um parecer contrário ao de alguns familiares e uns quantos amigos. Vai daí, eu achar que Braga mais parece a “cidade das portas”. Onde duas, já, foram instaladas e inauguradas com a cerimónia devida.

Refiro-me à do Arcebispo D. Diogo de Sousa, no Campo da Vinha e à, mais recente, instalada na Avenida da Liberdade alusiva à “Revolução dos Cravos”. Isto, quando nem metade dela é livre de carros. Sendo caso para parafrasear o velho ditado que diz: – “a porta é a serventia da casa” para quem não alinha.

Se tal artefacto teve a pretensão de simbolizar os cravos d’Abril, há um pormenor que escapou ao seu autor: o do cálice que suporta as suas pétalas. O que, em termos botânicos é uma falha. Ou seja, trata-se de mais uma peça demasiado modesta, tal como sucede com o “cilindro inox” do Pópulo com que o atual executivo, a presidir aos destinos da Câmara Municipal, decidiu brindar a Cidade dos Arcebispos.

Certamente que o nosso concelho e arredores não faltarão excelentes artistas. Só que, tal como em outros tempos, é nomeado o chamado artesão avençado da Autarquia. Se isto não faz sentido, tomemos como exemplo o mau gosto que presidiu à requalificação, levada a efeito pelo anterior executivo, na “Praça Conde de Agrolongo”.

A maior aberração de todos os tempos numa área que poderia ter sido um ex-líbris da cidade, de nível europeu, graças teimosia do Edil de então. Isto, para não falar da desgraceira do urbanismo com exíguos espaços livres que, pelos vistos, continua.

Ora, num tempo em que se procuram abrir fronteiras entre os povos, derrubarem-se muros e outros obstáculos que impeçam a livre circulação das pessoas, soa a falso colocar uma “porta” de acesso à liberdade. Assim como pouco digno é o monumento a simbolizar o 25 d’Abril, pouco cuidado, arredado lá para os lados da Ponte.

Melhor seria, a meu ver, criar um simbólico “Canteiro dos 25”, só de cravos. Que o vermelho simbolizasse o “25 d’Abril” e o verde do caule e das folhas o, também, libertador “25 de Novembro”. Algo que nos fizesse lembrar não só os valores desses dois movimentos, como o milagre da natureza que, não tendo sensibilidade política, não discrimina quaisquer seres vivos, nem ideias ou ideais.

Ademais, sendo esta Augusta e bimilenária cidade uma bela dama, acho que tem andado a ser enfeitada com algum “pechisbeque”, em vez de arte que faça jus à sua monumentalidade. Conceitos de moda que não se coadunam com o seu porte românico-barroco. Pelo que seria bem melhor dotá-la de adereços públicos de que está despida.

Mormente sanitários decentes, bebedouros e bancos, a fim de que o pessoal sinta a liberdade de se poder aliviar, matar a sede e repousar. É que, neste capítulo, as “portas” públicas citadinas de ingresso são uma miragem. Valendo-nos as do setor privado, generosamente franqueadas pelos lojistas citadinos.

QOSHE - A “serventia da casa” - Narciso Mendes
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A “serventia da casa”

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13.05.2024

Desde os primórdios da minha infância, já lá vão algumas décadas, sempre conheci o “Arco da Porta Nova” tal como é. E lembro-me de, nessa altura, perguntar ao meu saudoso pai, que calcorreava as ruas da cidade, se a “porta” que ali havia a venderam ou sumiu. Ao que o meu progenitor, me explicou que foi retirada para as pessoas entrarem livremente na cidade. Daí, continuar a prevalecer a relíquia histórica do “Arco”.

Em 25ABR74, foi derrubada a ditadura com a finalidade de ser reposto ao povo português o direito à liberdade, à formação de partidos políticos e à escolha dos seus governantes através do voto. O que só viria a ser validado em 25NOV75, graças a um movimento militar que, finalmente, nos legou a democracia pluralista e liberal até ao dia de hoje.

Caso contrário, teríamos uma porta entreaberta a outra ditadura, só que do tipo daquelas que existiram nos países de leste, obedientes a Moscovo. Daí, a tal ação que visou arredar com a intenção de algumas forças políticas........

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