“O Algarve para ser mais competitivo carece de uma narrativa sobre os seus valores históricos e culturais, enquanto uma mais-valia turística”

(…Continuação)

Os habitantes da serra diziam que vinham ao Algarve sempre que se deslocavam ao barrocal e ao litoral, enquanto os naturais do barrocal consideravam os “serrenhos” mais alentejanos do que algarvios.

Mas as diferenças também se faziam sentir na própria fisionomia das pessoas. Os primeiros povos que habitaram a região, cónios, cúneos e turdetanos, entre outros, viviam da caça e pernoitavam em cavernas. Muitos nativos algarvios são descendentes destes primeiros povos indígenas.

O conjunto de populações berberes, sírias, egípcias e outras, designação genérica dada aos árabes que ocuparam o Algarve, vieram substituir os senhores visigodos, mas mostraram-se tolerantes com os usos e costumes locais, admitindo as práticas religiosas das populações submetidas e criando condições para as trocas comerciais e culturais que se estabeleceram entre cristãos e muçulmanos. O mesmo aconteceu com os anteriores povos invasores.

A ocupação islâmica também não provocou alterações na estrutura linguística que se manteve latina, mas contribuiu com mais de 600 vocábulos, sobretudo substantivos referentes a vestuário, mobiliário, agricultura, instrumentos científicos e utensílios diversos, situação que se mantém até hoje.

É verdade que aqueles que se convertiam ao Islão beneficiavam de facilidades, nomeadamente em matéria de isenção de impostos, mas isso não constituía uma obrigação imposta pelos árabes muçulmanos.

Daí que, de uma maneira geral, as populações tenham mantido os traços fisionómicos que as identificavam e diferenciavam umas das outras – os exércitos iam e vinham, mas as populações autóctones permaneciam. Embora tivesse havido alguma miscigenação, as populações nativas mantiveram-se praticamente inalteradas e fiéis às suas origens.

Assim, enquanto os algarvios do barrocal apresentam corpos longilíneos, (montanheiros), os habitantes da serra são geralmente mais baixos, trigueiros e atarracados, ou seja, mais próximos do alentejano típico, (serrenhos). O andar dos tempos, a que chamamos evolução, esbateu as características fisionómicas das nossas gentes.

A serra algarvia, ou melhor, as serras algarvias, (Caldeirão, Monchique, Espinhaço de Cão ou Mú e Monte Figo-Cerros de S. Miguel e Cabeça), em boa verdade ocupam um parte muito importante do Alentejo, sobretudo a do Caldeirão.

Já os algarvios do litoral, mais expostos aos invasores, muitos deles simultaneamente pescadores e agricultores, eram conhecidos como marrachos.

Ao longo da sua história, o Algarve esteve sujeito à ocupação dos povos oriundos do oriente mediterrânico, nomeadamente fenícios, gregos, cartagineses, romanos e árabes. Muitos deles vinham comerciar, mas outros eram piratas e vinham saquear víveres e tudo o que pudessem surripiar. Por aqui passaram, igualmente, os chamados povos bárbaros: vândalos; alanos; suevos; e depois visigodos.

Existem vestígios fenícios que dão como certa a sua presença, nomeadamente na Ribeira de Quarteira, uma vez que esta era, na antiguidade, navegável até pelo menos à zona do Castelo de Paderne.

A expressão há mouro na costa, bem conhecida dos algarvios, funcionava como um aviso para as pessoas se porem a salvo do pirata invasor. As casas do interior dispunham de silos escondidos nas suas habitações ou nos terrenos de sua propriedade, onde guardavam o essencial das suas produções agrícolas, evitando o saque total por parte destes amigos do alheio.

A descoberta destes silos constituía motivo de grande curiosidade junto das populações locais, sempre que eram postos a descoberto. Desconheço se esta prática, uma realidade na freguesia de Paderne, também se verificava em outras zonas do Algarve.

O Algarve tem cerca de 5 mil km quadrados, dispondo de um clima temperado, uma consequência directa do encontro entre os climas mediterrânico e atlântico, conjugado com a protecção natural da serra dos ventos frios do norte, brindou a região com um microclima único e especial.

Esta geografia, contudo, impedia a ligação ao resto do País, tanto mais que se acoitavam na serra bandos de salteadores, razão pela qual as ligações preferenciais a Lisboa se faziam através do rio Guadiana até Mértola, sendo o resto da viagem assegurado por diligência e/ou em vapor a partir de Portimão.

Este isolamento contribuiu, por um lado, para um microclima sui generis e, por outro, para o desenvolvimento de uma agricultura e economia de subsistência, fixando as populações às zonas de residência.

Em criança, na minha freguesia, havia pessoas que nunca tinham visto o mar, apesar deste distar menos de 10 km.

Assim sendo, estas realidades são mais que suficientes para conferir legitimidade a todos aqueles que, tal como nós, defendem a existência de vários algarves, indo para além das razões históricas que justificaram esta designação no século XV.

Para ler o artigo anterior do autor, clique aqui.

* Empresário / Gestor Hoteleiro

QOSHE - Os Algarves – Parte II - Elidérico Viegas
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Os Algarves – Parte II

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16.04.2024

“O Algarve para ser mais competitivo carece de uma narrativa sobre os seus valores históricos e culturais, enquanto uma mais-valia turística”

(…Continuação)

Os habitantes da serra diziam que vinham ao Algarve sempre que se deslocavam ao barrocal e ao litoral, enquanto os naturais do barrocal consideravam os “serrenhos” mais alentejanos do que algarvios.

Mas as diferenças também se faziam sentir na própria fisionomia das pessoas. Os primeiros povos que habitaram a região, cónios, cúneos e turdetanos, entre outros, viviam da caça e pernoitavam em cavernas. Muitos nativos algarvios são descendentes destes primeiros povos indígenas.

O conjunto de populações berberes, sírias, egípcias e outras, designação genérica dada aos árabes que ocuparam o Algarve, vieram substituir os senhores visigodos, mas mostraram-se tolerantes com os usos e costumes locais, admitindo as práticas religiosas das populações submetidas e criando condições para as trocas comerciais e culturais que se estabeleceram entre cristãos e muçulmanos. O mesmo aconteceu com os anteriores povos invasores.

A ocupação islâmica também não provocou alterações na estrutura linguística que se manteve latina, mas contribuiu com mais de 600 vocábulos, sobretudo substantivos referentes a........

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