A nossa indústria de «telenovelas», revelando uma invejável capacidade produtiva, capaz de alimentar o PIB como nenhuma outra, acaba de produzir mais uma, com o título, desta vez, «A CUNHA E O PEDIDO», cujo primeiro episódio assenta no seguinte enredo:

1 – Num país onde as coisas nem sempre correm com a celeridade pretendida pelos canais próprios, antes pelo contrário, é tido como natural um cidadão, em desespero, dirigir-se a um deputado, a um primeiro-ministro ou a um presidente da república pedindo os seus bons ofícios para a resolução dum dado problema com que se debata e cada um destes procurar auxiliá-lo na sua resolução, mas um auxílio, atenção, pois num estado democrático e de direito se pretende estar, que não se venha a traduzir, face a terceiros, num qualquer tratamento preferencial!

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2 – Acontece, porém, que os pais de duas gémeas, desesperando por um tratamento clínico de milhões para as mesmas, podendo dirigir-se, diretamente, ao presidente da república à procura dos seus bons ofícios para tal tratamento, optam, contudo, por recorrer à intermediação do filho deste, por nele verem um bom «pistolão» ou boa «cunha».

3 – O filho do presidente, em nome dos bons princípios e preservação da imagem do pai, poderia recusar tal papel de «pistoleiro» ou «cunhador», mas não só o aceitou, como, ao fazê-lo, admitiu que o pai presidente «cunhável» seria, mandando-lhe para os devidos efeitos um mail.

4 – Por sua vez, esperando-se, ao menos, que o pai, para não se poderem levantar quaisquer dúvidas quanto a uma pessoa «cunhável» não ser, devolvesse à origem o mail em que a «cunha» o filho metia, com a indicação para ele ter juízo, por não se procurar comprometer um pai presidente assim, ao invés, manda, imediatamente, questionar o hospital onde estava a correr o processo das gémeas sobre o seu estado, com a «cunha», entretanto e formalmente, transformada em simples «pedido» dum doutor «qualquer».

5 – Prestando o hospital, não menos imediatamente, os esclarecimentos solicitados, mesmo assim não se dá por satisfeito, dando a «cunha», melhor dizendo, o «pedido» por encerrado, remetendo-o para um primeiro-ministro e uma secretária de estado para os efeitos devidos, acabando as gémeas, no final, por o tratamento obter devidamente.

6 – Pelo meio disto tudo, para tornar o enredo do primeiro episódio da «telenovela» mais excitante ainda, o presidente, num primeiro momento, diz não se lembrar que o filho algum «pedido» sobre as gémeas lhe tenha feito ( o que, também, é tido como natural no mesmo país, onde muito queijo se comerá), para, mais tarde, acabar por reconhecê-lo, enquanto os pais das gémeas, dando o dito por não dito, negam ter recorrido ao «pistolão» ou à «cunha» do filho do presidente, que nem sequer conhecerão, ficando-se por saber, então, porque este em nome das gémeas o pai decidiu «cunhar», embora o pai «cunhado» recuse ter sido.

Aguarda-se pelos episódios seguintes da «telenovela, com preventivo abastecimento de pipocas para a eles se assistir.

Para ler o artigo anterior do autor, clique aqui.

* Jurista

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QOSHE - A CUNHA E O PEDIDO - Luís Ganhão
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A CUNHA E O PEDIDO

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07.12.2023

A nossa indústria de «telenovelas», revelando uma invejável capacidade produtiva, capaz de alimentar o PIB como nenhuma outra, acaba de produzir mais uma, com o título, desta vez, «A CUNHA E O PEDIDO», cujo primeiro episódio assenta no seguinte enredo:

1 – Num país onde as coisas nem sempre correm com a celeridade pretendida pelos canais próprios, antes pelo contrário, é tido como natural um cidadão, em desespero, dirigir-se a um deputado, a um primeiro-ministro ou a um presidente da república pedindo os seus bons ofícios para a resolução dum dado problema com que se debata e cada um destes procurar auxiliá-lo na sua resolução, mas um auxílio, atenção, pois num estado democrático e de direito se pretende estar, que não se venha a traduzir, face a terceiros, num qualquer tratamento........

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