As leis que se vêm fazendo, entre nós, na esteira de directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, são prolixas.

Ao invés, no Brasil, as normas são enxutas, escorreitas, concisas.

Sirvamo-nos de um exemplo.

A proposta de Directiva da Responsabilidade Civil por Danos Causados por Sistemas de Inteligência Artificial é deveras uma algaraviada.

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Exemplo (artigo 4.º):

“Cabe aos Estados-Membros assegurar que os tribunais nacionais estão habilitados a ordenar, a pedido de um potencial demandante que tenha previamente solicitado a um fornecedor, a uma pessoa sujeita às obrigações de um fornecedor nos termos do [artigo 24.º ou do artigo 28.º, n.º 1, do Regulamento Inteligência Artificial] ou a um utilizador que divulgue elementos de prova pertinentes de que disponha sobre um sistema de IA de risco elevado específico suspeito de ter causado danos, cujo pedido tenha sido recusado, ou a pedido de um demandante, a divulgação desses elementos de prova às referidas pessoas.

Os tribunais nacionais devem limitar a divulgação de elementos de prova ao que é considerado necessário e proporcionado para fundamentar uma potencial ação ou uma ação de indemnização e devem limitar a conservação ao que é considerado necessário e proporcionado para fundamentar tal ação de indemnização.

2. No contexto de uma ação de indemnização, o tribunal nacional só pode ordenar a divulgação dos elementos de prova por uma das pessoas enumeradas no n.º 1 se o demandante tiver feito todas as tentativas proporcionadas para recolher os elementos de prova pertinentes junto do demandado.

3. Cabe aos Estados-Membros assegurar que os tribunais nacionais estão habilitados a ordenar, a pedido de um demandante, a tomada de medidas específicas para conservar os elementos de prova referidos no n.º 1.

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4. Ao determinar se uma ordem de divulgação ou conservação de elementos de prova é proporcionada, os tribunais nacionais têm em conta os interesses legítimos de todas as partes, incluindo os terceiros pertinentes, em especial no que diz respeito à proteção de segredos comerciais na aceção do artigo 2.º, ponto 1, da Diretiva (UE) 2016/943 e de informações confidenciais, tais como as informações relativas à segurança pública ou nacional.

Cabe aos Estados-Membros assegurar que, sempre que seja ordenada a divulgação de um segredo comercial ou de um alegado segredo comercial que o tribunal tenha considerado confidencial na aceção do artigo 9.º, n.º 1, da Diretiva (UE) 2016/943, os tribunais nacionais estão habilitados a tomar as medidas específicas necessárias, mediante pedido devidamente fundamentado de uma das partes ou por sua própria iniciativa, para preservar a confidencialidade sempre que esses elementos de prova sejam utilizados ou referidos em processos judiciais.

Cabe igualmente aos Estados-Membros assegurar que a pessoa à qual seja ordenada a divulgação ou conservação dos elementos de prova referidos nos n.ºs 1 e 2 dispõe das vias de recurso processuais adequadas relativamente a tais decisões.

5. Se o demandado não cumprir uma ordem de um tribunal nacional no âmbito de uma ação de indemnização no sentido de divulgar ou conservar elementos de prova de que disponha nos termos dos n.os 1 e 2, o tribunal nacional presume que o demandado não cumpriu um dever de diligência pertinente, em especial nas circunstâncias referidas no artigo 4.º, n.os 2 e 3, e que os elementos de prova solicitados se destinavam a provar para efeitos da ação de indemnização em causa.

O demandado tem o direito de ilidir essa presunção.”

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Já o legislador brasileiro, no mesmo domínio, com outra orientação, diz de forma mais sucinta, mais concisa, como o legislador português, aliás, sempre nos habituara (PL 2338/2023: art.º 27):

“O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial, moral, individual ou coletivo é obrigado a repará-lo integralmente, independentemente do grau de autonomia do sistema.

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§ 1º Quando se tratar de sistema de inteligência artificial de alto risco ou de risco excessivo, o fornecedor ou operador respondem objetivamente pelos danos causados, na medida de sua participação no dano.

§ 2º Quando não se tratar de sistema de inteligência artificial de alto risco, a culpa do agente causador do dano será presumida, aplicando-se a inversão do ônus da prova em favor da vítima.”

Com efeito, para além da diferença de regimes, quão distinta é a forma, o estilo.

Por este andar, não se sabe onde tudo isto irá parar!

Para ler o artigo anterior, clique aqui.

* Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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CONTRASTES: a arte de saber legislar

18 0
15.11.2023

As leis que se vêm fazendo, entre nós, na esteira de directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, são prolixas.

Ao invés, no Brasil, as normas são enxutas, escorreitas, concisas.

Sirvamo-nos de um exemplo.

A proposta de Directiva da Responsabilidade Civil por Danos Causados por Sistemas de Inteligência Artificial é deveras uma algaraviada.

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Exemplo (artigo 4.º):

“Cabe aos Estados-Membros assegurar que os tribunais nacionais estão habilitados a ordenar, a pedido de um potencial demandante que tenha previamente solicitado a um fornecedor, a uma pessoa sujeita às obrigações de um fornecedor nos termos do [artigo 24.º ou do artigo 28.º, n.º 1, do Regulamento Inteligência Artificial] ou a um utilizador que divulgue elementos de prova pertinentes de que disponha sobre um sistema de IA de risco elevado específico suspeito de ter causado danos, cujo pedido tenha sido recusado, ou a pedido de um demandante, a divulgação desses elementos de prova às referidas pessoas.

Os tribunais nacionais devem limitar a divulgação de elementos de prova ao que é considerado necessário e proporcionado para fundamentar uma potencial ação ou uma ação de........

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