A narrativa de que a Europa sem o apoio militar dos Estados Unidos da América (EUA) tem enormes fragilidades é, em parte, verdade. Contudo as capacidades existem, provavelmente serão curtas como forma de dissuasão perante as previsíveis ameaças futuras da Rússia.

A situação a que chegou a segurança e defesa europeia não é famosa, alguns críticos afirmam que as forças armadas ocidentais são pequenas, estão mal preparadas para uma guerra prolongada na Europa, sem doutrina e treino, e mal equipadas. Há alguma verdade nestas afirmações, contudo talvez sejam exageradas: uma das grandes limitações é relativa aos equipamentos militares não em qualidade, mas sim em quantidade.

Existem lacunas e dificuldades, contudo a situação é resolúvel com os investimentos necessários e vontade política. Os efetivos militares totais da NATO são de 3,5 milhões, na sua grande maioria profissionais, não é um número despiciente. Se retirarmos as forças armadas dos EUA (1,4 milhões), da Turquia (445 mil) e o Canada (68 mil), a NATO Europa tem cerca de 1,5 milhão de efetivos militares, ligeiramente superior aos efetivos da Rússia atual, já depois das recentes mobilizações para a guerra.

Assumindo que a Rússia é, em termos estratégicos, o principal inimigo da Europa de acordo com o novo conceito estratégico da NATO, em termos de armamento (excetuando os EUA) os países aliados europeus dispõem nos seus arsenais dos mais modernos e sofisticados equipamentos militares. Os carros de combate, como os Challenger, Leopard e Leclerc, estão entre os melhores, os navios das marinhas de guerra são modernos e altamente sofisticados, os mais modernos aviões de combate não têm equivalente na força aérea russa. Os arsenais da Rússia não dispõem de equipamentos tão sofisticados, nomeadamente em qualidade e efetividade operacional.

Em termos de treino e doutrina, os melhores países aliados são profissionalmente os mais aptos no mundo, com conceitos doutrinários adaptados à guerra moderna do futuro. A Rússia, inimigo declarado da Aliança, em termos de instrução, treino e organização da sua estrutura militar é um verdadeiro fracasso. A Rússia, nos anos 90, iniciou um processo de modernização das suas forças armadas com o objetivo de atingir patamares semelhantes aos do ocidente. Elaborou uma revolução na sua doutrina de emprego do Poder Militar, conhecida pela “Doutrina Gerasimov”, mas o que aconteceu, como mostra a invasão da Ucrânia, foi o contrário – as modernizações das suas forças militares acabaram em ineficácia e corrupção, a guerra está a ser combatida com doutrinas importadas da Segunda Guerra Mundial.

Poderá afirmar-se que a qualidade dos equipamentos militares fabricados na Europa é de excelência, contudo a quantidade deverá ser manifestamente aumentada. A Europa precisa urgentemente de aumentar significativamente a sua Base Industrial de Defesa (BID), precisa de fortes investimentos, não só na produção e aquisição, mas fundamentalmente na investigação. A Europa compra mais de 70% dos seus equipamentos militares no exterior, representando os EUA 63% dessas aquisições, e isso é urgente mudar.

Serão os efetivos e os equipamentos militares atuais suficientes? Provavelmente não, é urgente aumentar os efetivos e os equipamentos militares como forma de dissuadir qualquer ataque à Europa. A BID europeia é um pigmeu em comparação com os EUA. Perante a probabilidade de uma nova administração americana, com fortes tendências isolacionistas e com reiteradas ameaças ao apoio securitário ao continente europeu, a Europa parece estar a acordar da sua letargia e do desinvestimento de décadas. A Comissão Europeia criou recentemente um fundo de 1,5 mil milhões de euros para fortalecer a indústria de defesa, manifestamente curta. Para criar as necessárias capacidades militares autónomas europeias serão necessários fortes investimentos, talvez entre 100 e 150 mil milhões de euros.

Os países europeus já reconheceram da necessidade urgente da modernização. Para a UE, como a segunda maior economia no mundo, o dinheiro não será problema, o problema estará na vontade de investir.

Portugal, perante o estado catastrófico das suas Forças Armadas, começa a ser descartável para a NATO. A realidade é dura, mas efetivamente as nossas capacidades militares tendem para uma quase insignificância. É urgente alterar este caminho da obsolescência dos equipamentos militares e da falta de efetivos. A recuperação vai ser longa, talvez mais de uma década, e é fundamental o aumento significativo dos orçamentos de Defesa. É preciso explicar aos portugueses as novas realidades securitárias na Europa e que as liberdades e a democracia têm custos.

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Segurança e defesa da Europa – que investimentos?

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08.04.2024

A narrativa de que a Europa sem o apoio militar dos Estados Unidos da América (EUA) tem enormes fragilidades é, em parte, verdade. Contudo as capacidades existem, provavelmente serão curtas como forma de dissuasão perante as previsíveis ameaças futuras da Rússia.

A situação a que chegou a segurança e defesa europeia não é famosa, alguns críticos afirmam que as forças armadas ocidentais são pequenas, estão mal preparadas para uma guerra prolongada na Europa, sem doutrina e treino, e mal equipadas. Há alguma verdade nestas afirmações, contudo talvez sejam exageradas: uma das grandes limitações é relativa aos equipamentos militares não em qualidade, mas sim em quantidade.

Existem lacunas e dificuldades, contudo a situação é resolúvel com os investimentos necessários e vontade política. Os efetivos militares totais da NATO são de 3,5 milhões, na sua grande maioria profissionais, não é um número despiciente. Se retirarmos as forças armadas dos EUA (1,4 milhões), da Turquia (445 mil) e o Canada (68 mil), a NATO Europa tem cerca de 1,5 milhão de efetivos militares, ligeiramente superior aos efetivos da Rússia atual, já depois das recentes........

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