A democracia vive o momento mais grave desde o dia da morte de Francisco Sá Carneiro, há quatro décadas.

Nessa altura, o medo de um regresso a um novo período revolucionário colocou-se, era visível nos partidos do Governo e era preocupação no Partido Socialista.

O país acordou hoje com uma intervenção do Ministério Público de grande escala. Pelo que se foi sabendo, as questões que estão na base desse raid dizem respeito a licenciamentos de grandes projetos nacionais. Buscas e detenções, constituição de arguidos e, por último, a implicação de António Costa.

Perante o que foi cirurgicamente difundido, nada mais restava do que a demissão do primeiro-ministro. Conheço-o bem, sei da sua dimensão pessoal e política e antecipava que fosse esse o desfecho.

Este processo não é uma coisa menor. Implica de forma decisiva no que de mais relevante existe numa democracia – o normal funcionamento das instituições. Espero, portanto, que tudo tenha sido ponderado, que se tenha antecipado o facto de podermos estar a caminhar para uma degradação da nossa vida pública de tal forma que o caminho só poderá ser uma democracia musculada ou uma quase democracia.

Também espero que se tenha tido em atenção a realidade da gestão pública, a sua especificidade e o que cumpre aos membros de um qualquer Governo. A não ser assim, poderemos caminhar para a total ausência de máquina do Estado, a total indisponibilidade dos melhores para cada função.

Os partidos devem, perante este caso, ter a prudência do terreno limpo. Importa que o incendiário não pegue fogo à sua própria casa, ao seu próprio corpo.

Costa despede-se de oito anos de Governo com uma enorme luta pessoal que vai fazer em conjunto com os seus familiares e amigos - a de provar que nunca cometeu qualquer ilícito, que os negócios do Estado são coisas que merecem cuidados e a decisão teve sempre enquadramentos próprios. Estou certo que terá ainda tempo para voltar ao nosso convívio. Os portugueses não o podem perder.

A democracia merece cuidados, mas também o PS. E a pior coisa que os socialistas poderiam fazer, perante a situação que vivemos, era entrar numa luta de galos, numa espécie de urgência pelo poder interno.

O momento é grave e exige autoridade, ponderação, moderação, conhecimento político, estatuto e longa vida. O PS precisa de se centrar num projeto de três linhas só: 1.º serviço ao país; 2.º defesa da liberdade e da democracia; 3.º contribuir para a sã convivência na sociedade.

A circunstância do hoje antecipa os passos que se previam em 2026. A realidade é mais forte do que a nossa própria ambição e os milhões de socialistas precisam de uma saída.

É por isso que perante o dia que tivemos e o acordar de amanhã, só posso pedir a Francisco Assis que aceite assumir mais um serviço ao País candidatando-se a líder do Partido Socialista.

Vai ser duro, vai exigir cuidados redobrados para que não se negue a solidariedade que devemos a Costa e que se possa criar uma nova etapa. Mas o PS já teve graves momentos internos, já viveu situações muito difíceis e venceu-os.

À Justiça o que é da Justiça continua a ser o princípio que deveremos ter como farol. À política o que é da política, construindo um novo amanhã.

QOSHE - Francisco Assis - Ascenso Simões
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Francisco Assis

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07.11.2023

A democracia vive o momento mais grave desde o dia da morte de Francisco Sá Carneiro, há quatro décadas.

Nessa altura, o medo de um regresso a um novo período revolucionário colocou-se, era visível nos partidos do Governo e era preocupação no Partido Socialista.

O país acordou hoje com uma intervenção do Ministério Público de grande escala. Pelo que se foi sabendo, as questões que estão na base desse raid dizem respeito a licenciamentos de grandes projetos nacionais. Buscas e detenções, constituição de arguidos e, por último, a implicação de António Costa.

Perante o que foi cirurgicamente difundido, nada mais restava do que a demissão do primeiro-ministro. Conheço-o bem, sei da sua dimensão pessoal e política e antecipava que fosse esse o desfecho.

Este processo não é uma........

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