Nuno Melo, o líder do partido mochila do PSD, tem dito que sempre que o PSD e o CDS foram coligados, ganharam.

É verdade o que diz Melo, os dois partidos foram coligados, para eleições nacionais, em 1979, 1980 e 2015 e ganharam.

Mas importa que se olhe bem para os cenários posteriores a cada uma dessas eleições.

Em 1979, depois de três governos de iniciativa presidencial, Eanes deixou de ter condições para prolongar a sua tutela sobre os partidos. O PS, que havia ganho as constituintes e as primeiras legislativas, tinha constituído dois governos, um minoritário e um que resultou de um acordo com o CDS. Ambos frágeis e curtos de vida.

O PPD/PSD esteve durante os primeiros anos da democracia em permanente convulsão. Sá Carneiro haveria de ser líder entre novembro de 1974 e maio de 1975; entre setembro de 1975 e novembro de 1977; e entre julho de 1978 e dezembro de 1980. Para além dele, o partido laranja teve, num período tão curto, as lideranças de Emídio Guerreiro, Sousa Franco e Menéres Pimentel.

Não se pode dizer, portanto, que fosse uma casa bem arrumada, uma força política com solidez. Sá Carneiro era instável, como o filme Snu bem nos diz. Aprendeu com a mulher da sua vida a ler o mundo com outros olhos, a deixar para trás os atavismos que estão presentes nas suas visões do país dos finais da década de 1960 e inícios da seguinte.

Estarei a desmerecer na figura que se transformou em mártir e ídolo da direita portuguesa? De todo!

Olhando para tudo o que Sá Carneiro disse, há nele uma inquietação pela liberdade e pela democracia, há uma ligeira preocupação com os povos ultramarinos e, ainda, com a construção de um regime sem implicações revolucionárias. Mas não há a coragem e a visão de Soares nem a densidade de Freitas do Amaral ou Cunhal.

A primeira Aliança Democrática germina no malogro dos governos do PS, do ódio a Eanes e ao Conselho da Revolução. Nasce, ainda, das inimizades que Soares foi criando (Barreto, Sousa Tavares, Medeiros Ferreira). E mais do que de Carneiro ou de Freitas, é a construção programática de Amaro da Costa.

A primeira AD foi, portanto, uma solução política de resposta ao período de instabilidade posterior ao PREC, à impossibilidade do PS conseguir, por razões bem esclarecidas por Soares e que hoje estão de novo na ordem do dia, uma maioria absoluta.

Soares sempre entendeu que o PS e o PPD deveriam ser a esquerda e a direita ao centro, forças alternativas que deveriam estruturar a democracia nos seus inícios.

A primeira vitória da Aliança Democrática levou à criação de um governo que durou um ano. Nesse executivo não houve limitações nos gastos públicos, não houve contenção no uso do aparelho do Estado. Entre janeiro e maio de 1980, todos os lugares políticos a nível nacional, regional e local tinham sido ocupados por gente do PPD e do CDS e foram recuperadas centenas de dirigentes do tempo do Estado Novo.

Foi um verdadeiro estado maior de campanha, pouca governação e muito controlo da informação.

Em 1980 a AD vai, de novo, a votos. O PS constrói a Frente Republicana e Socialista com socialistas mais à esquerda que firmarem a UEDS de Lopes Cardoso e António Vitorino e com sociais democratas vindos do PPD, agrupados na ASDI, de onde sobressaíam Magalhães Mota e Sousa Franco.

A campanha parecia indicar um empate, mas isso era falso. No terreno sentia-se a força do Governo. E havia uma radicalização em torno de Eanes que Sá Carneiro detestava. O grande slogan nesses meses longos de campanha assentou numa trilogia – Uma maioria, um Governo, um Presidente. A Aliança Democrática tinha como objetivo transformar o regime para pior e de forma muito ardilosa, menos de uma década após o 25 de abril.

Num horrível acidente/atentado, Sá Carneiro e Amaro da Costa morrem em dezembro de 1980. Tudo muda no país, na direita e na governação.

Muitas pessoas relevantes iam dizendo, ainda antes do acidente, que a AD não duraria. A instabilidade permanente de Sá Carneiro e o seu autoritarismo irritante, iriam ditar a instabilidade depois da reeleição de Eanes em 1981. A verdade é que vejo hoje com muita dificuldade que tivesse existido um acordo do PS com o PSD, para a revisão da constituição em 1981/1982, se Sá Carneiro estivesse vivo.

Mas o que conta é o que se passou depois.

Sucede a Sá Carneiro, como Chefe do Governo, Pinto Balsemão. Nunca mais a relação entre o PPD e o CDS foi elegante e fluida. Entre janeiro 1981 e abril de 1983, o governo do país foi seguindo em agonia. Balsemão é apelidado vulgarmente e injustamente de “lelé da cuca”, um desprimor que lhe havia sido entregue por Marcelo Rebelo de Sousa.

As finanças do país, recuperadas em 1977 e 1978 depois do pedido de ajuda externa feito por Mário Soares e na sequência dos excessos da Revolução, voltam a estar em causa. As empresas portuguesas não conseguem competir nos mercados que estavam a começar a abrir, o setor empresarial do Estado, enxameado de gente de todo o tipo, entrou em profunda crise. Nos anos de 1982 e 1983 o país vivia nova e perigosa crise económica e financeira, agora provocada pela AD.

E também vivia tempos de ataque a conquistas importantes. O Decreto-Lei nº 254/82, aprovado pela AD, terminava com o Serviço Nacional de Saúde. Foi o Tribunal Constitucional quem o salvou, num altura em que havia um médico para 1.100 habitantes, o dobro de Itália, e a mortalidade infantil, até a um ano, era de 58 por 100 mil habitantes, o dobro de Espanha.

Dois governos de Balsemão, a tentativa de um terceiro de Vítor Crespo que nem os partidos da AD nem Eanes aceitaram, levaram a que o país fosse a eleições.

O PPD escolhe um triunvirado tendo como presidente Rodrigues dos Santos e como Vice, também candidato a Primeiro Ministro, Mota Pinto.

Nasce o Governo de salvação nacional que é hoje conhecido como Bloco Central. Dura pouco mais de dois anos, mas salva o país de mais uma bancarrota.

Mário Soares tinha uma boa relação com Mota Pinto. Este, apesar de fundador do PPD, tinha-se incompatibilizado com Sá Carneiro e tinha sido Ministro do Comércio do líder do PS.

Os dois convencem Hernâni Lopes a tomar as rédeas das finanças do país e em pouco mais de um ano Portugal já estava a iniciar o crescimento que Cavaco Silva aproveitou a par dos fundos europeus e que lhe deu a primeira maioria absoluta.

Quando Montenegro e Melo decidem recuperar a simbologia da Aliança Democrática, esquecem a História e o fracasso que foi a sua primeira encarnação. Como também esquecem que o Governo de 2002 a 2005 do PSD/CDS foi mandado embora por má figura e que o Governo de 2011 a 2015, para além da crise do “irrevogável”, foi tão funesto como nenhum outro havia sido. A FAP pode ter tido mais deputados que o PS, mas o PS e os partidos à sua esquerda tiveram uma maioria mais que absoluta de onde nasceu a “geringonça”.

Foi o Governo ultraliberal de Passos quem criou a nova realidade política em que Portugal se encontra. E essa realidade vai marcar, por muitos anos, a vida política portuguesa.

QOSHE - O fracasso da primeira Aliança Democrática - Ascenso Simões
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O fracasso da primeira Aliança Democrática

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29.02.2024

Nuno Melo, o líder do partido mochila do PSD, tem dito que sempre que o PSD e o CDS foram coligados, ganharam.

É verdade o que diz Melo, os dois partidos foram coligados, para eleições nacionais, em 1979, 1980 e 2015 e ganharam.

Mas importa que se olhe bem para os cenários posteriores a cada uma dessas eleições.

Em 1979, depois de três governos de iniciativa presidencial, Eanes deixou de ter condições para prolongar a sua tutela sobre os partidos. O PS, que havia ganho as constituintes e as primeiras legislativas, tinha constituído dois governos, um minoritário e um que resultou de um acordo com o CDS. Ambos frágeis e curtos de vida.

O PPD/PSD esteve durante os primeiros anos da democracia em permanente convulsão. Sá Carneiro haveria de ser líder entre novembro de 1974 e maio de 1975; entre setembro de 1975 e novembro de 1977; e entre julho de 1978 e dezembro de 1980. Para além dele, o partido laranja teve, num período tão curto, as lideranças de Emídio Guerreiro, Sousa Franco e Menéres Pimentel.

Não se pode dizer, portanto, que fosse uma casa bem arrumada, uma força política com solidez. Sá Carneiro era instável, como o filme Snu bem nos diz. Aprendeu com a mulher da sua vida a ler o mundo com outros olhos, a deixar para trás os atavismos que estão presentes nas suas visões do país dos finais da década de 1960 e inícios da seguinte.

Estarei a desmerecer na figura que se transformou em mártir e ídolo da direita portuguesa? De todo!

Olhando para tudo o que Sá Carneiro disse, há nele uma inquietação pela liberdade e pela democracia, há uma ligeira preocupação com os povos ultramarinos e, ainda, com a construção de um regime sem implicações revolucionárias. Mas não há a coragem e a visão de........

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