Não há sistemas eleitorais perfeitos. Esta é sempre uma das conclusões dos estudos, que foram realizados ao longo dos últimos cinquenta anos, sobre a nossa realidade parlamentar e sobre as alternativas que se foram identificando como possíveis.

Porém, a pergunta que a cada tempo se coloca é mais prosaica – a lei eleitoral para a Assembleia da República que vigora foi motivo de bloqueios no sistema político português? E a resposta é sempre negativa.

Por estes dias o debate está no desperdício de mais de um milhão de votos, votos estes que não elegeram qualquer deputado. Para esta realidade tem vindo a identificar-se como remédio a criação de um círculo nacional de compensação.

Será correta esta opção? Como implica na relação entre eleitos e entre estes e os eleitores?

A existirem os círculos de compensação, estes seriam uma espécie de alforge que permitiria a eleição de deputados de diretório sem a obrigação de responderem perante os eleitores, quais senadores já sem paciência para apertarem as mãos dos portugueses em campanha eleitoral.

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Também permitiria a entrada no Parlamento de todos os Tiriricas deste mundo, levados ao colo pelos programas de entretenimento, e autorizaria, ainda, a proliferação de partidos de minorias e de interesses, realidades existentes em alguns países do leste e do norte da Europa que têm colocado em risco a visão integral da sociedade e descentrado o debate geral que se quer integrador. É por isso que são poucos os países que consagram esse tal círculo de compensação como solução e com as caraterísticas do que propõe a Iniciativa Liberal para Portugal.

O debate deveria ser, em minha opinião, sobre o sistema que melhor aproximaria os eleitores dos eleitos e não sobre soluções que os afasta. E nesta discussão reaparece a tradicional defesa dos círculos uninominais.

Os defensores do círculos uninominais são figuras dos partidos que perderam os seus escanos, mas que acham que os portugueses deles precisam como salvadores da pátria. Nenhum deles conseguiria ser eleito para a administração do seu condomínio, mas ainda conseguem ter espaço em alguns órgãos de informação para difundirem essa sua obsessão.

Os círculos uninominais transformariam a governação num inferno. Não haveria interesse privado com dinheiro que não tivesse o seu deputado, não haveria igreja evangélica que não gastasse umas centenas de milhar de euros em campanhas para criar a sua bancada em São Bento. Os círculos uninominais vão perdendo apoio nos países onde existem, sistemas que também caminham para uma profunda contestação.

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Quais são os problemas existentes na representação parlamentar portuguesa? Identificamos o principal – o da existência de círculos tão grandes que não há um só eleitor que saiba quem é o seu deputado.

O deputado deve ser nacional no seu entendimento da função e na sua destreza intelectual para o exercício da deputação. Mas deve ser local na representação e na proximidade aos portugueses comuns. Ora, os grandes círculos têm permitido a existência de parlamentares que nem são uma coisa nem outra, que não se fazem sentir. É exatamente aqui que temos de promover uma profunda discussão sobre o funcionamento dos partidos.

Em 2017, no meu livro “Opções Inadiáveis para uma Política Progressista”, propus que numa próxima alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República se proceda uma revisão profunda dos círculos eleitorais e que estes não tenham mais do que três deputados com uma representação próxima de 150 mil eleitores.

A proposta assume a realidade de uma redução do número de partidos representados no parlamento, mas ela é sempre beneficiadora de soluções governativas mais estáveis.

Na Grécia existe um bónus ao partido mais votado que lhe consagra a estabilidade governativa através da atribuição de um número de deputados que não resulta do método proporcional; os alemães consagram um resultado mínimo para que um partido esteja presente no parlamento federal. Ninguém poderá dizer que estas soluções não são democráticas.

Em Portugal, em vez de termos eleições onde houvesse deputados de sobras, deveríamos passar a ter sufrágios onde cada eleitor soubesse quem seria a pessoa que iria incomodar durante quatro anos, obrigando a uma valorização significativa do mandato. Isso é que seria uma grande conquista para a nossa democracia.

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Os votos perdidos e sistema eleitoral

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21.03.2024

Não há sistemas eleitorais perfeitos. Esta é sempre uma das conclusões dos estudos, que foram realizados ao longo dos últimos cinquenta anos, sobre a nossa realidade parlamentar e sobre as alternativas que se foram identificando como possíveis.

Porém, a pergunta que a cada tempo se coloca é mais prosaica – a lei eleitoral para a Assembleia da República que vigora foi motivo de bloqueios no sistema político português? E a resposta é sempre negativa.

Por estes dias o debate está no desperdício de mais de um milhão de votos, votos estes que não elegeram qualquer deputado. Para esta realidade tem vindo a identificar-se como remédio a criação de um círculo nacional de compensação.

Será correta esta opção? Como implica na relação entre eleitos e entre estes e os eleitores?

A existirem os círculos de compensação, estes seriam uma espécie de alforge que permitiria a eleição de deputados de diretório sem a obrigação de responderem perante os eleitores, quais senadores já sem paciência para apertarem as mãos dos portugueses em campanha eleitoral.

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