Sou demasiado velho neste nosso partido para me deixar implicar pela trica do dia, pelas pequenas picardias entre socialistas. Mas tenho vida partidária desde 1978 em cargos de coordenação e liderança na JS e no PS, e isso autoriza-me a revolta perante o atrevimento.

Ouvi, esta manhã, que a Dra. Manuela Eanes te tinha telefonado a mostrar simpatia pela tua candidatura e pela forma como tens feito a campanha. Eu compreendo o teu ponto, passares a ideia de que já podes entrar em campo como candidato a Primeiro-Ministro, coisa que tu sabes, como todos sabem na tua candidatura, não é verdade.

Mas, para além de ser de mau tom a divulgação de um telefonema de cortesia, mesmo que autorizado, a tua estrutura de campanha demonstra não conhecer a História do nosso partido. A interferência de Eanes no PS foi, sempre, danosa e perduravelmente combatida por Mário Soares. Soares sempre teve razão!

Eanes foi eleito com os votos do PS. Mas fez tudo para acabar com o PS. Primeiro, influenciando por dentro, promovendo a divisão, divisão essa que, a ter vencido, não teria permitido a revisão da Constituição da República no início da década de 1980, nem o fim do Conselho da Revolução com o regresso dos militares aos quartéis, nem o caminho para a nossa integração na Europa. Depois, com a criação de um partido caudilhista, o PRD, que não teve outra função que não fosse tornar o PS insignificante. Voltou a ser Mário Soares a por travão a esse desvario eanista. Nós devemos muito a Mário Soares, e não devia ser um qualquer telefonema de circunstância e atenção que deveria fazer-nos perder o sentido da História, a razão de estarmos aqui.

Aproveito este meio para te dizer duas outras coisas que me têm parecido afoutezas de gente pouco responsável.

O primeiro tem ligação com essa coisa de ser moderado e respeitar o legado de António Costa.

Moderado sou eu, moderado é o Assis, moderado é o Álvaro, o Sérgio, moderados são todos aqueles que pensam pela sua cabeça e agem pela sua cabeça independentemente da circunstância e do apetite pelo poder.

Em 2015, tu eras Presidente da Federação do Porto, apoiaste António José Seguro e perdeste no teu distrito por muitos. Dizes agora que és um moderado e que queres a autonomia estratégica do PS rejeitando o diálogo à esquerda, sendo muleta do PPD, tu bem dizes, PPD. Mas tu foste membro do Governo da Geringonça quando outros se mantiveram longe dela e outros, por amizade longa data com Costa, se limitaram nas criticas à solução encontrada.

Tu foste governante quando Pedro Nuno era o agente que fazia correr os compromissos, que honrava a palavra, que perdia a paciência com exigências parvas. Tu viveste esse tempo de carro preto com motorista branco à porta sem um ai, sem um levantar de voz, sem qualquer discórdia, sequer um texto prospetivo, que bem sabes fazer, um pouco mais ao lado da linha oficial. E agora esqueces isso tudo. Volto a Mário Soares, ele não iria achar nenhuma piada ao teu comportamento nem ao de muitos que, tendo combatido o PS nos anos quentes de 1970 e 1980, são neófitos que se acham históricos e te apoiam.

Mas também foste Secretário-Geral Adjunto. E podias ter feito o que importava, até por dever de amizade que dizes continuar a ter. Reaproximar Costa de Seguro. Não foi por falta de incentivos, até meus, mas tu não tens autonomia de palavra nem de ação, viajas atracado a interesses momentâneos, ao pragmatismo que te impede de seres mais tu. E tu tens tantas qualidades para seres mais tu…

Qual será o legado de Costa que tu queres honrar? É diferente do de Pedro Nuno ou de Duarte Cordeiro? No PS nós honramos o legado de todos os que fizeram o caminho. Uns honram pela vivência, outros pelo conhecimento da História. Tu não conheces o partido de Mário Soares que não seja pela memória, Pedro Nuno não conhece o legado de Guterres que não seja pela memória, mas ambos honram os seus consulados.

Mas há uma coisa que Pedro Nuno tem e tu não tens – esteve na génese da candidatura de Costa, esteve com ele na campanha das legislativas de 2015 sem bicotar, ajudou a salvar o percurso de vida de Costa e o PS depois de uma derrota, impedindo a manutenção do PPD troikista no poder, uma legislatura impossível que se tornou possível.

O segundo atrevimento é o que se prende com duas mentiras – a primeira é a de que a tua campanha está a disputar a liderança do PS, a segunda mentira é a de que tu és o único que pode derrotar Montenegro.

Tu sabes bem, como sabia Seguro na luta contra Costa, como sabia Alegre na luta contra Sócrates, como sabia Sampaio na luta contra Guterres, como sabia Gama na luta contra Sampaio ou contra Constâncio, que não vais ser secretário-geral. Tu sabes bem que o Partido tem uma opção na sua cabeça e essa é a transição de geração, de estilo, de mundo. Pedro Nuno será o próximo líder do PS.

Tu também sabes que só uma sondagem, das muitas que já saíram, te dá a vencer Montenegro e todas as restantes dão Pedro Nuno a vencer Montenegro. Como sabes que o teu apoio vem muito mais dos votantes do PPD do que do PS e da esquerda. É, portanto, uma mentira o que tens vindo a transmitir. Mas o caminho que estás a fazer, não podendo seres candidato a PM porque não vais ser líder do PS, só está a fragilizar o nosso partido, a dar argumentos ao PPD para nos combaterem. Tu estás a ser o maior aliado de Montenegro nesta contenda.

Peço-te que ponderes o trilho que tens vindo a seguir. Até porque nem parece teu, porque tu nunca foste assim.

Eu sei o que sempre esteve em causa nesta tua candidatura. É tão simples que não há um só militante socialista que não o sabia. Se Pedro Nuno tivesse negociado contigo a candidatura à Câmara do Porto, não terias avançado. Outro teria sido escolhido, talvez o Eurico, que estava mais à mão. Mas as coisas não se fazem assim, porque o PS é mais do que o percurso feito a partir de 1990, é mais do que o nosso umbigo construído a partir de anos e anos no poder recheado de cinismo e de soberba. Não te percas a mando de alguém, és demasiado valioso para não seres tu.

Vais ficar zangado comigo, mas isso passa-te. Até porque sabes que o conceito de amizade de um transmontano nunca dispensa a frontalidade mesmo que rude, mas não nega o sentido de solidariedade e de proximidade.

QOSHE - Pára, Zé Luis! - Ascenso Simões
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Pára, Zé Luis!

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04.12.2023

Sou demasiado velho neste nosso partido para me deixar implicar pela trica do dia, pelas pequenas picardias entre socialistas. Mas tenho vida partidária desde 1978 em cargos de coordenação e liderança na JS e no PS, e isso autoriza-me a revolta perante o atrevimento.

Ouvi, esta manhã, que a Dra. Manuela Eanes te tinha telefonado a mostrar simpatia pela tua candidatura e pela forma como tens feito a campanha. Eu compreendo o teu ponto, passares a ideia de que já podes entrar em campo como candidato a Primeiro-Ministro, coisa que tu sabes, como todos sabem na tua candidatura, não é verdade.

Mas, para além de ser de mau tom a divulgação de um telefonema de cortesia, mesmo que autorizado, a tua estrutura de campanha demonstra não conhecer a História do nosso partido. A interferência de Eanes no PS foi, sempre, danosa e perduravelmente combatida por Mário Soares. Soares sempre teve razão!

Eanes foi eleito com os votos do PS. Mas fez tudo para acabar com o PS. Primeiro, influenciando por dentro, promovendo a divisão, divisão essa que, a ter vencido, não teria permitido a revisão da Constituição da República no início da década de 1980, nem o fim do Conselho da Revolução com o regresso dos militares aos quartéis, nem o caminho para a nossa integração na Europa. Depois, com a criação de um partido caudilhista, o PRD, que não teve outra função que não fosse tornar o PS insignificante. Voltou a ser Mário Soares a por travão a esse desvario eanista. Nós devemos muito a Mário Soares, e não devia ser um qualquer telefonema de circunstância e atenção que........

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