A campanha eleitoral começou oficialmente e até parece que já tudo foi discutido. Na verdade, a táctica, os cenários e o que está manifestamente mal geraram a quase unanimidade dos partidos à excepção óbvia do PS que parece continuar a viver numa realidade virtual tipo Alice no país das maravilhas.

Apesar de considerar que alguns dos temas mais importantes ainda não foram nem abordados nem discutidos com a profundidade que merecem, é justo reconhecer que até agora há duas áreas que já mereceram a discussão profunda sobre as diferentes propostas dos partidos, falo das soluções - muitas opostas - para a habitação e para o crescimento económico. Pode dizer-se, com alguma segurança, que os portugueses hoje sabem o que cada partido defende para ambos os problemas.

No que diz respeito à saúde, as diferenças resumem-se a mais articulação com o privado e social ou continuar a fazer de conta que se defende o SNS. Curiosamente ou não, os últimos anos têm sido aqueles em que mais se gasta em pagamentos ao privado por incapacidade ou incongruência dos decisores políticos do Ministério da Saúde. Mas aqui não basta apostar mais no SNS ou na articulação com o sector social e privado, são necessárias políticas e reformas concretas na gestão do próprio SNS se queremos ter uma melhor oferta e uma maior racionalidade no sector público da saúde. Já se viu que gastar mais não significa ter maior capacidade para dar resposta aos utentes. É preciso ter a coragem e a inteligência de mudar muita coisa.

A Educação, outro dos principais problemas que serão herdados da geringonça, só a espaços tem sido mencionada pelos partidos. Luís Montenegro bem tem tentado trazer o tema para cima da mesa e a espaços o Livre. O PS, Bloco e PCP limitam-se a gritar “escola pública” depois de a terem degradado ao longos dos últimos oito anos. Deram cabo da exigência e das metas conseguidas por Nuno Crato, e diga-se em abono da verdade também por alguns dos seus antecessores, mas a Geringonça inverteu tudo isso e hoje até a trajectória do abandono escolar se alterou, levando o Ministro da Educação a “martelar” os números do INE. Sem esquecer o retrocesso dos resultados do PISA cuja pandemia não explica nem justifica. O problema da Educação não é apenas a recuperação do tempo de serviço dos professores. Já para não falar do ensino superior e da ciência que nestes anos não conheceram uma única reforma além da passagem a contrato dos bolseiros de investigação.

As reformas na segurança interna não se podem resumir ao subsídio de risco que o Governo deu à PJ, sem estes o pedirem, e que agora é exigido pelas forças de segurança. Se Eduardo Cabrita gerou o caos no sector, com decisões tolas e promessas falhadas que iniciaram a frustração das forças de segurança, José Luis Carneiro procurou fazer o inverso e a “acalmia” resultou em inação e frustração. Os problemas mantiveram-se e o diálogo e a simpatia só agravaram a situação e a desilusão. A herança neste sector é bastante pesada e seja nas forças de segurança seja na proteção civil, o próximo governo a tomar posse terá, além de um barril de pólvora para resolver, muitas reformas para fazer e erros para corrigir.

Mas os problemas profundos não são apenas estes. É preciso reformar os restantes serviços públicos que na generalidade se têm vindo a degradar, é urgente fortalecer as instituições, a sua transparência e a capacidade de servir os cidadãos com brio, com qualidade e com celeridade. A burocracia é amiga da corrupção, o excesso de presença do Estado é sinónimo de falta de liberdade e de responsabilidade individual, e a dispersão impede o foco do Estado naquilo que é decisivo.

Faltam duas semanas para as eleições e espero sinceramente que o tempo que resta permita discutir estes e outros temas como o ambiente, a energia, a agricultura, a transição digital, a cultura, a união europeia, a política externa ou a defesa com a profundidade que se exige e que merecem.

QOSHE - 15 dias para discutir o que ainda não foi “discutido” - Duarte Marques
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15 dias para discutir o que ainda não foi “discutido”

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28.02.2024

A campanha eleitoral começou oficialmente e até parece que já tudo foi discutido. Na verdade, a táctica, os cenários e o que está manifestamente mal geraram a quase unanimidade dos partidos à excepção óbvia do PS que parece continuar a viver numa realidade virtual tipo Alice no país das maravilhas.

Apesar de considerar que alguns dos temas mais importantes ainda não foram nem abordados nem discutidos com a profundidade que merecem, é justo reconhecer que até agora há duas áreas que já mereceram a discussão profunda sobre as diferentes propostas dos partidos, falo das soluções - muitas opostas - para a habitação e para o crescimento económico. Pode dizer-se, com alguma segurança, que os portugueses hoje sabem o que cada partido defende para ambos os problemas.

No que diz respeito à saúde, as diferenças resumem-se a mais articulação com o privado e social ou continuar a fazer de conta que se defende o SNS. Curiosamente ou não, os últimos anos têm sido aqueles em que mais se........

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