A melhor forma de combater partidos populistas é sermos mais competentes. E isso começa sempre pelos governos e termina nos restantes partidos da oposição. Os populistas nascem e crescem dos erros dos outros, foi assim com o Bloco de Esquerda que aproveitou os resquícios do fim do Guterrismo, o famoso pantano, e foi crescendo com a exploração dos erros dos seus sucessores ou com o aproveitamento das desgraças da vida pública, de origem fortuita ou causada pela ação política. O BE era o abutre, o Chega de serviço.

Tal como o Chega, o Bloco começou também por temas fracturantes que por vezes chocavam a sociedade mais conservadora em nome das novas liberdades ou direitos. Uns mais justificados outros que apenas tinham o condão de afrontar o statu quo, para garantir audiência e provocar o ódio face aos poderes vigentes.

Enfrentar o populismo não é propriamente uma novidade mas dá trabalho.. O Chega soube dar voz ao descontentamento que resulta dos erros de governação socialista e da falta de firmeza da oposição ao longo de demasiado tempo. António Costa percebeu que o Chega poderia ser uma espécie de kriptonite para partidos como o PSD e o CDS que entre a incompetência socialista e o extremismo do Chega só lhes restava serem equilibrados, competentes e diferentes. Mas nem sempre o foram e os mais descontentes nem isso valorizaram. Para uma parte da sociedade, cansada do socialismo de António Costa, ser moderado não era suficiente. António Costa não foi incompetente de propósito mas sempre soube que dando oxigénio e audiência ao Chega estaria a fragilizar a alternativa democrática.

O crescimento do partido de André Ventura obrigou-o a “sair da toca” e a ter a necessidade de apresentar propostas, de votar no parlamento e a defender em congresso alternativas para o país. Finalmente, o país mediático deixou de discutir o direito à existência do Chega e passou a escrutinar as propostas do Chega. Ao tratar o Chega como “adulto” o Chega revelou que é pouco mais do que uma criança “mimada”.

O que podemos ver nos últimos dias foi um partido de extrema direita a apresentar soluções iguais ao PCP e ao Bloco de Esquerda. Se analizarmos as votações na Assembleia da República vemos um partido que se diz de direita a votar ao lado do PS em dezenas de votações no plenário. Se lermos a Moção da Convenção Nacional do Chega percebemos que muitas das principais ideias ou são impossíveis de realizar ou parecem copiadas dos manuais do PCP ou do BE que tanto abominam.

Por isso tenho dito repetidamente que discutir a existência, a legitimidade ou mesmo os perigos do Chega é um favor que lhe fazemos. Importa reconhecer a sua existência e desmontar as suas propostas que ou têm pés de barro ou são impossíveis de implementar. Com honrosas excepções, os principais dirigentes do Chega parecem um conjunto de charlatões, cheios de si, arrogantes pelas sondagens mas que afinal não passam de indignados de café ou das redes sociais. Afinal o Chega também promete ilusões como o Bloco ou como o Partido Socialista. Afinal o Chega que tanto diz querer combater a corrupção está cheio de dirigentes com cadastro ou complicações na justiça. Afinal o Chega que tanto critica as fake news socialistas também apresenta factos inventados. Afinal o Chega que tanto critica os imigrantes que chegam a Portugal também tem dirigentes e Deputados que contratam esses mesmos imigrantes como mão de obra para as suas atividades económicas.

Expor as ideias do Chega e escrutinar as suas implicações é um exercício de cidadania que só contribui para desmontar os alicerces do populismo: a demagogia e a exploração das fraquezas.

Mais do que discutir o Chega, o que os restantes partidos devem pensar com preocupação é porque há tão boa gente disponível para votar no Chega.

QOSHE - Desconstruir as ameaças do Chega - Duarte Marques
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Desconstruir as ameaças do Chega

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16.01.2024

A melhor forma de combater partidos populistas é sermos mais competentes. E isso começa sempre pelos governos e termina nos restantes partidos da oposição. Os populistas nascem e crescem dos erros dos outros, foi assim com o Bloco de Esquerda que aproveitou os resquícios do fim do Guterrismo, o famoso pantano, e foi crescendo com a exploração dos erros dos seus sucessores ou com o aproveitamento das desgraças da vida pública, de origem fortuita ou causada pela ação política. O BE era o abutre, o Chega de serviço.

Tal como o Chega, o Bloco começou também por temas fracturantes que por vezes chocavam a sociedade mais conservadora em nome das novas liberdades ou direitos. Uns mais justificados outros que apenas tinham o condão de afrontar o statu quo, para garantir audiência e provocar o ódio face aos poderes vigentes.

Enfrentar o populismo não é propriamente uma novidade mas dá trabalho.. O Chega soube dar voz ao descontentamento........

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