Governar em maioria absoluta ou com um acordo de incidência parlamentar que garanta a maioria dos votos numa Assembleia é algo mais excepcional do que habitual. Se os primeiros Governos pós 25 de Abril foram instáveis pela própria conjuntura, mesmo tendo maioria ou acordos para tal, desde 85 tivemos duas maiorias absolutas de Cavaco Silva, uma de Sócrates e outra de António Costa que terminou a meio. Pelo meio tivemos três coligações pós-eleitorais: a de Durão Barroso, a de Passos Coelho e a Geringonça. Cavaco governou apenas com maioria relativa de 85 a 87, Guterres teve dois mandatos em maioria relativa de 1995 a 2002, se bem que o segundo terminou com o pantano e Sócrates (des)governou praticamente quatro anos em maioria relativa. Passos Coelho governou um mês em maioria relativa devido ao “pinote” de António Costa.

A primeira leitura que podemos fazer é que os governos de maioria relativa deram asneira, mas nem sempre isso se deveu à falta de força da maioria. Talvez o único caso tenha sido o de Cavaco em 87 e o de Passos Coelho por causa da geringonça. Os que deram mesmo asneira para o país foram os do pantano de Guterres que nos deixou com uma crise profunda de dívida pública e o segundo de Sócrates que nos levou à pré-bancarrota. Mas nem o Governo de maioria de Sócrates nem os de Guterres caíram por falta de apoio Parlamentar, um fugiu após uma tremenda derrota autárquica e o outro por pura incompetência.

Ao contrário de muitos outros países em que é impossível governar sem uma maioria absoluta ou um acordo parlamentar, a Constituição portuguesa foi pensada precisamente para permitir que um governo sem maioria absoluta possa governar. Os pais da Constituição confiaram no sentido de Estado dos partidos, ou dos líderes de então, para que um Governo ou melhor, os orçamentos possam ser viabilizados através da abstenção de parte dos partidos da oposição. Por outro lado, esse modelo exige também um maior esforço de conciliação a quem Governa eliminando quaisquer tipos de arrogância ou prepotência habituais tanto das maiorias absolutas como dos acordos de incidência parlamentar. Sim no PSD também cometemos erros desses. Mas recordo aqui o “rolo compressor” da Geringonça que nas discussões dos Orçamentos de Estado chumbavam todas as propostas do PSD ou CDS que depois apresentavam como suas. Aliás, quem não se recorda de ver a Geringonça a forçar o voto de um direito potestativo na CPI da Caixa Geral de Depósitos o que levou até à demissão do Presidente dessa Comissão, incomodado com tal violação grosseira do direito. Ou seja, a arrogância não é um exclusivo das maiorias absolutas mas também dos acordos parlamentares.

Eleições nos Açores

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Escrevo tudo isto a propósito das eleições nos Açores e da reação do Presidente do PSD Açores José Manuel Bolieiro que perante o resultado disse que não cederia a chantagens e que iria governar em minoria mas ouvindo todos. Conhecendo bem Bolieiro, que além de grande político é sobretudo uma boa pessoa, um defensor acérrimo do interesse público e a verdadeira antítese de um populista, tenho a certeza que vai tentar conciliar sempre que possível. Sabe bem, tal como nós no continente, que as transformações profundas não podem ser feitas em trincheiras, é preciso garantir que as reformas têm sequência nos mandamentos seguintes. E para que isso aconteça é preciso tanto de liderança como de humildade para ouvir.

Henrique Raposo

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O país, tal como os Açores, precisa sobretudo de estabilidade e bom senso como já aqui escrevi. Mas o que faz também falta a Portugal são reformas estruturais que sejam duradouras. Para tal é preciso que sejam respeitadas pelos principais partidos e que não sejam revertidas à primeira oportunidade sem se avaliar o seu impacto e as suas consequências.

Volto a escrever, quem ganha com a guerrilha entre os moderados são os extremistas, à esquerda e à direita. O populismo e a demagogia só se combatem com competência, responsabilidade e moralidade. É tempo do PS perceber que a ideologia não se pode sobrepor à realidade.

QOSHE - Voltar à normalidade Constitucional - Duarte Marques
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Voltar à normalidade Constitucional

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06.02.2024

Governar em maioria absoluta ou com um acordo de incidência parlamentar que garanta a maioria dos votos numa Assembleia é algo mais excepcional do que habitual. Se os primeiros Governos pós 25 de Abril foram instáveis pela própria conjuntura, mesmo tendo maioria ou acordos para tal, desde 85 tivemos duas maiorias absolutas de Cavaco Silva, uma de Sócrates e outra de António Costa que terminou a meio. Pelo meio tivemos três coligações pós-eleitorais: a de Durão Barroso, a de Passos Coelho e a Geringonça. Cavaco governou apenas com maioria relativa de 85 a 87, Guterres teve dois mandatos em maioria relativa de 1995 a 2002, se bem que o segundo terminou com o pantano e Sócrates (des)governou praticamente quatro anos em maioria relativa. Passos Coelho governou um mês em maioria relativa devido ao “pinote” de António Costa.

A primeira leitura que podemos fazer é que os governos de maioria relativa deram asneira, mas nem sempre isso se deveu à falta de força da maioria. Talvez o único caso tenha sido o de Cavaco em 87 e o de Passos........

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