Quem esteve, no recente Word Ocean Summit em Lisboa, pôde testemunhar a controvérsia que a mineração nos fundos marinhos continua a gerar. As empresas interessadas apresentam estatísticas sobre a necessidade de minerais para a transição energética, que é urgente concretizar. Os cientistas e os ambientalistas alegam ser impossível extrair estes minerais sem causar danos irreparáveis ao ambiente marinho.

Também controversa, mas com as emoções concentradas noutros interessados, como os do setor da pesca, é a discussão sobre a ocupação do espaço marítimo por estruturas de grande porte para geração de eletricidade por fontes renováveis oceânicas e para produção aquícola em mar aberto.

Nos últimos anos, a pandemia e a guerra na Ucrânia forçaram-nos a refletir sobre o corrente modelo de globalização económica. As cadeias de abastecimento internacionais foram fortemente abaladas, e a dependência de outros países para abastecimento de energia revelou-se uma fragilidade estratégica de muitos Estados-Membros da União Europeia. Em particular, o sonho kantiano que fomentou uma aposta estratégica na importação de recursos energéticos da Rússia, saiu caro aos países mais expostos. Os riscos para a segurança alimentar foram também levantados por alguns.

Portugal tem 97% do seu território no mar. Num quadro geopolítico que recomenda uma maior autossuficiência, o país deve recorrer ao mar para salvaguardar a sua segurança energética e alimentar. Em terra, a expansão de áreas dedicadas a energias renováveis, à agricultura e à aquacultura é limitada por diversos constrangimentos ambientais e de ordenamento do território. A recente controvérsia sobre o projeto fotovoltaico de Santiago do Cacém, é um exemplo concreto. Adicionalmente, as alterações climáticas com secas mais prolongadas limitam a produção agrícola e a capacidade das barragens garantirem a geração de eletricidade. No Algarve, em particular, temos sentido os efeitos de todos estes fatores.

A aquacultura em mar aberto pode dar resposta às nossas necessidades de proteína animal, de forma ambientalmente mais sustentável, criando cadeias de abastecimento mais curtas, reduzindo as importações de pescado, e aliviando a pressão sobre os stocks pesqueiros. A dezenas de quilómetros da costa, grandes plataformas de aquacultura têm um impacto visual irrelevante e poucos conflitos de usos. Só uma destas plataformas pode produzir 8000 toneladas de peixe por ano, um valor equivalente cerca de 50% da atual produção aquícola nacional. A cerca de 12 km ao largo de Vila Real de Santo António, está em fase de licenciamento um projeto desta natureza que deve gerar 60 postos de trabalho diretos.

Nas energias renováveis oceânicas também há avanços tecnológicos em que Portugal tem sido pioneiro, como é o caso do projeto Windfloat Atlantic em Viana do Castelo. A alocação de espaço marítimo para geração de energias renováveis está, em grande parte, completa, sendo expectável que o novo governo dê continuidade ao calendário previsto para os leilões de energia eólica offshore. Em consonância com a Estratégia Nacional para o Mar, faz todo o sentido que nestas áreas se estimule a coexistência da geração de eletricidade com outras atividades económicas, que gerem riqueza e empregos nas comunidades costeiras. A instalação de plataformas de aquacultura offshore é possível, e desejável, junto aos parques eólicos flutuantes que vão ocupar estas zonas marítimas. Se bem concebidas, as plataformas de energia renovável e de aquacultura podem mesmo contribuir para o muito necessário restauro dos ecossistemas marinhos.

A coordenação de políticas para proteger o ambiente marinho e otimizar os múltiplos usos do espaço marítimo nacional será vital para garantimos a segurança alimentar e energética do país, numa década que se prevê que continue a ser marcada por instabilidade geopolítica. Infelizmente, na orgânica do novo governo não se lê a palavra “Mar” na designação de nenhum dos ministérios.

QOSHE - O mar português e a segurança alimentar e energética - Fausto Brito E Abreu
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O mar português e a segurança alimentar e energética

6 0
01.04.2024

Quem esteve, no recente Word Ocean Summit em Lisboa, pôde testemunhar a controvérsia que a mineração nos fundos marinhos continua a gerar. As empresas interessadas apresentam estatísticas sobre a necessidade de minerais para a transição energética, que é urgente concretizar. Os cientistas e os ambientalistas alegam ser impossível extrair estes minerais sem causar danos irreparáveis ao ambiente marinho.

Também controversa, mas com as emoções concentradas noutros interessados, como os do setor da pesca, é a discussão sobre a ocupação do espaço marítimo por estruturas de grande porte para geração de eletricidade por fontes renováveis oceânicas e para produção aquícola em mar aberto.

Nos últimos anos, a pandemia e a guerra na Ucrânia forçaram-nos a refletir sobre o corrente modelo de globalização económica. As cadeias de abastecimento internacionais foram fortemente abaladas, e a dependência de outros países para abastecimento de energia revelou-se uma fragilidade estratégica........

© Expresso


Get it on Google Play