A taxa de abstenção registada em Portugal nas últimas eleições europeias foi a mais elevada de sempre: 68,6%. Quanto às deste ano, de acordo com o Eurobarómetro publicado no final do ano passado, 52% dos portugueses têm intenções de participar, sendo que os restantes não estão interessados - em particular os mais jovens, entre os 15 e os 24 anos cujo desinteresse chega aos 62%. Números à parte, creio que os mesmos nos permitem sustentar, pelo menos, duas conclusões importantes.

A primeira é que é preciso fazer mais - e melhor - para consciencializar os eleitores de que o que se passa em Bruxelas é, por assim dizer, uma extensão da vida política nacional e que, por isso, o seu voto pode fazer a diferença. Mais ainda, que o seu voto é, tal como nas eleições legislativas (especificamente em relação às posições tomadas pelo nosso governo no Conselho Europeu e pelos nossos ministros no Conselho da União Europeia) uma forma indispensável em democracia de responsabilizar os que nos representam no Parlamento Europeu pelo trabalho que aí fazem e não apenas em função do partido nacional a que pertencem.

Existe uma compreensão generalizada de que a pertença de Portugal à UE é positiva, seja por razões ligadas à recuperação económica, à estabilidade no domínio da política externa ou ao aceleramento das alterações climáticas face a sucessivas crises. Todavia, não é óbvio para grande parte da população que muito do que chega a Portugal tal como decidido pela burocrática “bolha europeia” resulta da ação dos nossos representantes, juntamente com os seus pares de outras nacionalidades. É isto, aliás, que permite fazer da UE, em muitos Estados-Membros, um bode expiatório relativamente a decisões pouco populares tomadas pelos respetivos governos (pense-se nas diversas medidas adotadas durante a pandemia). Mas é também esta distância artificial que ajuda a que muitas escolhas políticas de grande relevância passem (quase) em branco. Por exemplo, quando eurodeputado(a)s do PSD votam com os colegas da extrema-direita contra uma das leis ambientais mais importantes dos últimos anos para restaurar ecossistemas naturais degradados ou contra uma resolução que defende a inclusão do direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A segunda conclusão a ponderar é que se em tempos o voto nestas eleições era tratado com alguma condescendência dada a distância geográfica ou a complexidade dos temas, nos tempos que correm deveria exigir-se uma comunicação política mais dinâmica sobre a Europa. A estratégia necessária passa, igualmente, por escolher candidato(a)s em que diferentes partes do eleitorado se revejam, especialmente os jovens - uma vez que os números falam por si, não só os partilhados acima mas também os noticiados nos últimos dias que apontam o Chega como o partido de eleição da faixa mais jovem nas legislativas de 10 de março. Curiosamente, na semana passada, a Comissão Europeia fez saber que gostaria de contar com a ajuda de Taylor Swift (ao que parece, entre outros artistas europeus de renome) para mobilizar o voto jovem, tendo em conta que a cantora o fez com sucesso nas últimas eleições norte-americanas.

Aguardo, portanto, que a campanha e debate que nos esperam escrutinem e avaliem efetivamente as posições dos que elegemos para nos refletir na Europa. Nos próximos meses e além deles, tanto os órgãos de comunicação social como os partidos, principalmente os europeístas e com uma história de peso no projeto europeu, têm o dever de se debruçar mais sobre a UE e a ligação entre as políticas europeias e nacional, por muito que o tópico traga menos audiências ou não capte o voto fácil. São poucas as vezes em que os debates ou votos em sessão plenária como os que terão lugar esta semana são acompanhados nos principais canais de televisão, na rádio ou mesmo nas redes sociais. É pena, pois há muito com substância que se diz e que se faz em Estrasburgo para além do cão ocasional que ladra na presença de Pedro Sánchez.

Uma ida às urnas em grande número em junho legitimará a representatividade parlamentar a nível europeu e fortalecerá aí uma dinâmica institucional mais democrática, nomeadamente ao tornar mais difícil justificar que a nomeação do(a) presidente da Comissão Europeia, com toda a seriedade que advém do seu papel executivo, não seja feita com base no resultado das eleições, como aconteceu em 2019. Quem sabe se uma maior afluência há cinco anos, tanto em Portugal como noutros países, teria, entre outras coisas, evitado ver fundos europeus alocados a regimes autocráticos ou prevenido que o grupo parlamentar com maior presença no Parlamento Europeu seja o que não condena que os governos da sua cor partidária cheguem ao poder através de alianças com a extrema-direita. O povo ainda é soberano e, por isso, espero que nos próximos seis meses não se esqueça do poder do voto nem o dê por garantido.

*As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D

QOSHE - Europeias 2024: o poder do voto - Inês De Matos Pinto
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Europeias 2024: o poder do voto

20 1
15.01.2024

A taxa de abstenção registada em Portugal nas últimas eleições europeias foi a mais elevada de sempre: 68,6%. Quanto às deste ano, de acordo com o Eurobarómetro publicado no final do ano passado, 52% dos portugueses têm intenções de participar, sendo que os restantes não estão interessados - em particular os mais jovens, entre os 15 e os 24 anos cujo desinteresse chega aos 62%. Números à parte, creio que os mesmos nos permitem sustentar, pelo menos, duas conclusões importantes.

A primeira é que é preciso fazer mais - e melhor - para consciencializar os eleitores de que o que se passa em Bruxelas é, por assim dizer, uma extensão da vida política nacional e que, por isso, o seu voto pode fazer a diferença. Mais ainda, que o seu voto é, tal como nas eleições legislativas (especificamente em relação às posições tomadas pelo nosso governo no Conselho Europeu e pelos nossos ministros no Conselho da União Europeia) uma forma indispensável em democracia de responsabilizar os que nos representam no Parlamento Europeu pelo trabalho que aí fazem e não apenas em função do partido nacional a que pertencem.

Existe uma compreensão generalizada de que a pertença de Portugal à UE é positiva, seja por razões ligadas à recuperação económica, à........

© Expresso


Get it on Google Play