É inevitável. À medida que a data de 10 de Março se aproxima, o tema do voto útil ganha relevância central.

Os matizes do debate são, contudo, diversos, ditados, naturalmente, pela situação de cada partido. No caso dos maiores, o apelo, mais ou menos explícito, a esse voto. No caso dos mais pequenos, a sua rejeição.

Pessoalmente, não considero a expressão particularmente feliz. De resto, no domínio da ciência política, um outro termo existe para caracterizar essa prática, que se me afigura muito mais acertado – voto estratégico.

O voto estratégico surge em oposição ao chamado voto sincero. Neste segundo caso, ilustra-se a situação em que o eleitor manifesta o seu apoio à lista ou candidato que constitui a sua verdadeira e genuína escolha. Diferentemente, no primeiro pretende-se identificar a circunstância em que o eleitor atribui o seu voto, não à força a que se sente política ou ideologicamente mais ligado, mas a uma segunda preferência ou, até, a quem menos lhe desagrada.

Precisamente por se tratar de um comportamento ditado, não por razões de convicção, mas por motivos de racionalidade, várias são as causas que o podem explicar. Elenco algumas.

Quando, num sistema eleitoral a duas voltas, o candidato ou a lista em que o eleitor inicialmente escolheu não se apurou para a segunda fase.

Quando, por força da própria configuração do sistema eleitoral, o eleitor é fortemente condicionado a escolher a hipótese que menos contribua para a desvalorização do seu voto (como sucede, por exemplo, nos sistemas maioritários a uma volta ou, nos proporcionais, nos círculos eleitorais que designam um número pequeno de representantes).

Quando, numa visão mais geral, o eleitor opta por uma atitude de suporte à força política que mais hipótese tem de atingir a vitória ou que melhor contribua para impedir o sucesso daquela que lhe motiva maior rejeição.

A primeira situação, em Portugal, não releva para efeitos de eleições legislativas, mas, apenas, para o sufrágio presidencial, já que só neste uma segunda volta pode ocorrer (e foi precisamente o voto estratégico que conduziu à eleição de Mário Soares em 1986).

Por outro lado, é real a possibilidade de mudança de comportamento dos eleitores portugueses em função da reduzida dimensão numérica dos círculos eleitorais (necessariamente agravada pelo processo de desertificação do interior).

Os estudos eleitorais patenteiam que, nos círculos com menos de 5 Deputados, o patamar mínimo para aceder à representação parlamentar é muito elevado (10%, 13%, 15% ou mais). Algo que, como não podia deixar de ser, prejudica os partidos mais pequenos. E a situação aí tende, inclusive, a piorar para estes. Com efeito, em 1991, os distritos de Vila Real, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja, designavam, em conjunto, 24 Deputados (respectivamente, 4, 4, 5, 3, 4, 4). Em 2024, esse número baixou para 18 (respectivamente 3, 3, 4, 2, 3, 3).

Reconhecer-se-á, contudo, que, nas próximas eleições, a dimensão central do voto útil se relaciona, antes, com a disponibilidade dos eleitores para mudar (ou não) o sentido mais normal do seu voto, em ordem a tentar contribuir para a vitória do PS ou do PSD (ou, se se quiser, para evitar a vitória de algum deles).

Para estes dois partidos, o voto útil é importante, desde logo, para contrariar a tendência para a dispersão que as sondagens parecem evidenciar. É que, se em 2022, PS e PSD, em conjunto, obtiveram cerca de 70,5% dos votos, agora, na melhor das hipóteses, os estudos não os colocam para lá dos 65%. Ora, quanto maior for o apoio aos demais partidos, menor será a hipótese de vitória para um ou para outro. E, mesmo em caso de vitória, mais difícil será encontrar uma solução de estabilidade governativa.

Manda a verdade que se diga, porém, que o voto útil é mais decisivo à direita do que à esquerda.

Pedro Nuno Santos já admitiu que, mesmo que perca as eleições e a AD as ganhe com maioria relativa, está disposto a dar corpo a uma nova geringonça (algo que, de resto, é contraditório com o apelo ao voto útil que também tem feito, embora não seja surpreendente, uma vez que o secretário-geral do PS não é propriamente muito coerente nos cenários políticos que traça, que vão mudando consoante a hora do dia…)

Pelo seu lado, Luís Montenegro – e bem - tem sido absolutamente consistente em dizer que em nenhuma circunstância governará – ou, sequer, fará acordos para esse efeito - com o Chega. Como é óbvio, trata-se de um risco grande. Mas um risco que os princípios e os valores do PSD (e da AD) impõem.

Nessa medida, o seu discurso só deve ser um e tenderá, creio, a acentuar-se: cada voto no Chega é um voto desperdiçado. Mais do que isso: é contributo para beneficiar o infractor, leia-se, o PS.

O cenário é, assim, claro: quem quiser que tudo fique como está – com o risco de pobreza a aumentar, com a crise da habitação a acentuar-se, com o SNS a degradar-se mais e mais, com o sistema educativo a deteriorar-se – pode insistir no voto no PS ou, até, nos seus parceiros da geringonça. Mas, quem quiser uma mudança realista, segura, reformista, só tem uma verdadeira alternativa – votar na AD.

Nos últimos anos, Portugal desperdiçou oportunidade atrás de oportunidade. Os cenários internacionais são (muito) sombrios. O tempo corre objectivamente contra nós. Em poucas outras ocasiões, pois, o voto útil terá sido tão útil como o pode ser agora.

QOSHE - A utilidade do voto útil - José Matos Correia
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A utilidade do voto útil

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28.02.2024

É inevitável. À medida que a data de 10 de Março se aproxima, o tema do voto útil ganha relevância central.

Os matizes do debate são, contudo, diversos, ditados, naturalmente, pela situação de cada partido. No caso dos maiores, o apelo, mais ou menos explícito, a esse voto. No caso dos mais pequenos, a sua rejeição.

Pessoalmente, não considero a expressão particularmente feliz. De resto, no domínio da ciência política, um outro termo existe para caracterizar essa prática, que se me afigura muito mais acertado – voto estratégico.

O voto estratégico surge em oposição ao chamado voto sincero. Neste segundo caso, ilustra-se a situação em que o eleitor manifesta o seu apoio à lista ou candidato que constitui a sua verdadeira e genuína escolha. Diferentemente, no primeiro pretende-se identificar a circunstância em que o eleitor atribui o seu voto, não à força a que se sente política ou ideologicamente mais ligado, mas a uma segunda preferência ou, até, a quem menos lhe desagrada.

Precisamente por se tratar de um comportamento ditado, não por razões de convicção, mas por motivos de racionalidade, várias são as causas que o podem explicar. Elenco algumas.

Quando, num sistema eleitoral a duas voltas, o candidato ou a lista em que o eleitor inicialmente escolheu não se apurou para a segunda fase.

Quando, por força da própria........

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