O capítulo escrito pelos governos de António Costa encerra-se agora” afirmou Pedro Nuno Santos (PNS), sábado, no Congresso do PS. Ou, para quem tivesse dúvidas e como enfatizou no domingo, “agora é a nossa vez”.

Ana Sá Lopes, uma jornalista entusiasmada com PNS, como outros e outras, não faz a coisa por menos: “o pontapé de Pedro Nuno a António Costa impunha-se”.

Não é preciso acreditar que assim seja, que o PS o deseje, que António Costa se resigne, para se concluir que se justifica que o meu programa de hoje se centre nestas frases e no que elas significam.

Vou ensaiar um programa em parte diferente, com curtas notas – quase diria de reportagem, se fosse jornalista – e uma conclusão.

E pela primeira vez a rúbrica “A pergunta sem resposta” e “A Loucura Mansa” surgem fundidas numa só.

Vamos ver se estas novidades resultam...

PNS não entusiasmou a plateia do Congresso na 6ª feira, tanto como eu esperava, e parte do problema está em que sucede ao nesse dia omnipresente António Costa, que além do mais está a ganhar um estatuto de mártir de uma conspiração.

Mas o problema é maior porque sendo PNS um tribuno, estava a fazer um esforço hercúleo para negar ou ao menos controlar a sua natureza profunda.

Ou seja, para evitar a sua verdade, correu o risco de parecer cinzento e, pior, não sincero.

Esse problema pode ser resolvido, acredito, até ao início formal da campanha. E de algum modo já foi enfrentado no domingo e com sucesso nos militantes.

É um facto que a natureza de PNS regressa a galope quando se liberta, pelo que a resolução do problema do artificialismo e cinzentismo pode abrir um novo problema. Isso sentiu-se nos momentos em que se soltou do apertado guião que se autoimpusera e mais ainda no domingo.

Em campanha eleitoral é normal a radicalização. Mesmo políticos maçadores, cinzentos, tecnocratas e burocratas – chochos, numa palavra – ensaiam o seu pé de dança.

PNS não é nada disso. Mas quando se entusiasma com o cheiro do sangue do combate eleitoral, o que surge é um radicalismo que lembra a luta de classes do passado, o que o aproxima do tipo de registo em que o BE e o PCP são exímios

Nesse sentido foi muito curioso que de tudo o que Mário Soares disse ao longo de décadas, tivesse escolhido para o vídeo apresentado no Congresso a afirmação de que o PS é “um partido operário”…

Se o alvo fosse derrotar a esquerda radical isto percebia-se. Mas para ganhar o Centro e até setores moderados de Direita – sem o que pode não ganhar – a luta classista é um método perigoso, pois provoca reação no público alvo que se não revê na caricatura.

Isto tem solução? Claro que é para isso que existem os consultores e até os aliados. Mas como a manta é curta, resolver este problema atrai o primeiro problema, o do falso cinzentismo.

Terceira nota, também algo psicológica: PNS é um homem bonito e parece que sexy. Não sei se é por isso, mas há sempre algo um pouco arrogante e condescendente quando sorri e procura ser empático.

Como PNS é sem dúvida um homem de convicções e de ação, isso contribui para tornar difícil que surja nele o lado camaleónico a que Marcelo e Costa nos habituaram, que lhes permite parecer sinceramente interessados em cada um de nós, o que afinal é o paradigma do político moderado por oposição ao radical.

Este problema rebenta por todo o lado quando PNS é confrontado, como ficou patente no jogo facial e nas palavras com que reagiu à serena pergunta de Nelma Serpa Pinto (“se não conseguiu resolver o problema da habitação quando tinha a pasta, como vai resolver agora afastando-se dela?”), o que tem tudo para se tornar viral.

O problema teria solução se as eleições fossem daqui a um ano, mas é muito difícil – ainda que não impossível – solucioná-lo em dois meses e no meio do confronto em que será alvo de ataques de todo o lado, mesmo da sua Esquerda.

Vamos em frente com a nota seguinte: A palavra de 2024 pode vir a ser “prevaricação”.

O MP afirmou no recurso da decisão do Juiz de Instrução do caso “Influencer” que os indícios que justificam que o ainda Primeiro-Ministro seja alvo de inquérito se referem à hipótese de se ter alterado em Conselho de Ministros um diploma legal para favorecer a empresa de dados de Sines.

Essa empresa tinha como assessores pessoas próximas do Primeiro-Ministro e do PS, com a agravante de aparentemente um dos administradores ter dito que se tratava de uma “lei malandra” e do assessor jurídico – e antigo colaborador próximo de António Costa – ter dito que estivera “com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira [dia 11 de outubro, nas vésperas da aprovação em Conselho de Ministros] e que o gajo está completamente entusiasmado”.

Este pode ser outro Costa, claro. Mas se não for, e mesmo que me pareça absurdo provar o necessário dolo, não vejo que possa ser arquivado o inquérito no STJ sem que seja clarificado no processo de inquérito que corre em 1ª instância que não há indícios de prevaricação ou que o âmbito material do tipo legal deste crime não inclui o que o MP acha que é prevaricação.

Por isso, creio que chegaremos a 10 de março sem isto estar resolvido, o que não é apenas um problema para PNS (que fazer com o trunfo eleitoral Costa que não seja feito com o político objeto de inquérito criminal?), mas um fator que condicionará toda a estratégia do PS.

Que o problema atrás referido é real nota-se nos indisfarçados ataques ao MP e a Marcelo Rebelo de Sousa que ocorreram no Congresso e que sem isso seguramente não surgiriam.

Esses ataques não foram apenas – como os spin doctors passaram de imediato para os media – de apoiantes de José Luis Carneiro e/ou de “costistas”, pois Carlos César apoiou PNS, é o Presidente do PS e foi muito vocal no tema.

O que leva a esta nota não é, evidentemente, se os ataques são ou não merecidos.

O que realço é a dúvida sobre se não constituem uma má estratégia de conquista do Centro e de alguma Direita moderada (quanto a Marcelo) e um tiro no pé existindo uma atmosfera justicialista e antipolíticos tão real entre nós e tendo muitos membros do governo e altos quadros do PS contas com a Justiça e com inquéritos em curso (quanto ao MP).

Claro que nada é melhor para encantar militantes e suscitar aplausos do que isto. Mas esta é uma afloração do clássico dilema entre pregar para os convertidos, os fanáticos e os fiéis, ou tentar seduzir e por isso sossegar os céticos e indecisos.

Como é óbvio PNS não foi por aí, mas o tema não vai morrer, até porque Costa está manifestamente irritado.

De facto, sem isso não faz sentido que Costa tenha dito, na sequência das notícias sobre prevaricação, “podem ter-me derrubado, mas não me derrotaram”, insinuando uma conspiração onde entre outros teriam de estar a PGR, o MP, o Presidente da República e já agora a “Direita”.

Mártires – mesmo que vivos – são sempre úteis para o sucesso das religiões, das ideologias e dos combatentes.

António Costa está a subir ao cenáculo do martirológio socialista. Isso mobiliza as tropas, mas não sei se entusiasma as populações a conquistar, sobretudo no momento de solidão silenciosa de escrever uma cruzinha num boletim de voto.

Logo veremos.

Será por isso que – segundo a generalidade dos observadores – PNS se não quis comprometer no sábado (momento de fazer iguarias para consumo interno) com a afirmação de que o PS vai ganhar a eleições?

Talvez, mas em minha opinião isso apenas significa duas outras e importantes coisas:

Sinal da primeira explicação foi a surpreendente tese que perpassa no seu discurso de encerramento do Congresso de que com PNS nasce algo de novo, que ele vai fazer as “mudanças fundamentais que não foram feitas”, que os problemas da Educação, Saúde e Habitação vão finalmente ser resolvidos, que vai haver prioridades nos apoios, no fundo uma duríssima crítica aos 8 anos de “costismo” e às suas contradições.

Sinal da segunda explicação é não haver uma frase, uma palavra, uma ideia a criticar BE, PCP e Livre, como se dali nunca viesse nenhuma dificuldade ou tensão.

Uma última nota, como conclusão. O discurso final de PNS no Congresso foi bom e teve excelente eco nos militantes presentes. Saíram motivados e entusiasmados.

Foi realmente um hábil discurso, romântico, cheio de simpáticos lugares comuns, a prometer “amanhãs que cantam” e afinal tudo a todos.

Poderá dizer-se que muito já fora prometido e apenas muda o papel em que vão embrulhadas as promessas.

Poderá, pois, dizer-se que quase todas estas promessas apenas poderiam justamente ser feitas por ele se tivesse sido o PSD a governar desde 2015.

É, realmente, extraordinário que o PS diga que agora é que vai ser e nem nos peça desculpas por antes não ter sido, depois de governar há mais de 8 anos e de ter liderado o governo de Portugal desde 1995 durante 21 anos (só esteve na oposição apenas 8, metade deles durante o tempo da troika cuja vinda causou e aliás chamou).

Não foi um ato louvável.

Poder-se-á dizer isso e muito mais. Mas demostrado fica que Miguel Pinheiro tinha razão quando escreveu há dias, no Observador, que “A verdade é esta: o PS é um adversário formidável”.

E para se concluir assim nem será preciso concordar com António Barreto que “para já, de uma coisa podemos estar certos: o PS é capaz de tudo”.

Seja como for, para a semana falarei da Direita.

É ao Forum de CidadaniaLx e ao seu coordenador Paulo Ferrero e em geral a todos os que generosamente lutam pela preservação do património, como por exemplo é o caso de Catarina Portas.

Há muito tempo que – alertado pelo Forum, que chegou a recorrer aos tribunais para que ao menos as portas e janelas fossem fechadas para que parassem os furtos e a degradação – mais de uma vez aqui fiz perguntas que nunca tiveram resposta sobre o Palácio Burnay e a sua degradação.

Agora o Governo – que continua sem responder ao que perguntei há semanas sobre as comemorações dos 500 anos do nascimento de Camões – finalmente informou que o Palácio vai ser restaurado para nele instalar a “Museus e Monumentos de Portugal”.

Sem a luta do Forum de CidadaniaLx não teria acontecido.

Por muito que o combate político sugira o contrário, a luta entre o PS e o PSD neste ano de 2024 tem tudo a ver com um terreno comum do liberalismo social e da social democracia liberal.

Por isso as sugestões de hoje são obras clássicas seminais, que comecei a ler no início dos anos 70 do século passado (há mais de 50 anos), e a que volto sempre com proveito: “Teoria da Constituição” (1958) de Karl Loewenstein e “Sociedade e Liberdade” (1961) de Ralf Dahrendorf.

Não creio que os líderes do PSD e PS tenham tempo para os ler nos próximos dois meses, mas não era mau que um assessor lhes fizesse um resumo.

Merece análise a trapalhada da compra de ações dos CTT em 2021, para ajudar o PCP a engolir o Orçamento para 2022, e para chegar a 13% do seu capital e com isso – quem sabe – passar a controlar a empresa.

Em primeiro lugar, estou convencido que foi o ministro da tutela (PNS) quem convenceu António Costa e João Leão a comprar. Isso é que faz sentido e foi curioso que Costa só abordasse o tema depois de PNS ter falado para dizer que sabia da estratégia.

Em segundo lugar, é curioso que em 25 de outubro de 2011 se soubesse que o PCP iria votar contra e chumbar assim o Orçamento, e que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2021 que renovou a concessão tenha data de 23 de setembro de 2021, mas apenas fosse publicada em Diário da República em 3 de novembro de 2021, depois da decisão do PCP.

Em terceiro lugar, é curioso que a compra de ações tivesse sido interrompida em outubro de 2021 – ou seja depois da data da Resolução do CM (23 de setembro) em tudo o essencial fora seguramente já acordado com a concessionária ou quem a controla.

Em quarto lugar é curioso que depois de decidir não comprar mais ações, o Governo mantivesse a operação em sigilo (para sempre, seria a intenção) com o argumento de não fazer subir as cotações… que tinham subido durante os meses em que andaram a comprar.

Realmente o parecer para as compras foi dado pela UTAM em 21 de fevereiro de 2021, três dias antes as ações cotavam a 2,4 euros, o seu valor foi subindo e em julho de 2021 chegaram a 5,21 euros, voltaram a cair abaixo dos 4,75 euros nesse mesmo mês (curiosamente o valor máximo a que o Governo admitia a compra), para voltarem a superar esse valor em setembro desse ano.

Curioso ainda que a compra de 13% poderia custar mais de 70 milhões de euros.

Estas curiosas trapalhadas são uma loucura mansa como poucas.

Mas mais do que isso exigem uma pergunta que não deveria ficar sem resposta.

É que, mais do que trapalhadas – já em si graves que cheguem – isto exprime uma forma pouco saudável de negociar com privados, de instrumentalizar recursos públicos escassos a acordos partidários, sinaliza incompetência e amadorismo.

Por isso, a pergunta essencial ainda não foi feita por nenhum jornalista: “Dr Pedro Nuno Santos, foi o senhor quem propôs esta estratégia ao Governo? Ou se não foi deu o seu acordo? Ou opôs-se a ela e o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças decidiram avançar contra a sua opinião?”

QOSHE - As Causas. PNS no seu labirinto - José Miguel Júdice
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

As Causas. PNS no seu labirinto

10 1
10.01.2024

O capítulo escrito pelos governos de António Costa encerra-se agora” afirmou Pedro Nuno Santos (PNS), sábado, no Congresso do PS. Ou, para quem tivesse dúvidas e como enfatizou no domingo, “agora é a nossa vez”.

Ana Sá Lopes, uma jornalista entusiasmada com PNS, como outros e outras, não faz a coisa por menos: “o pontapé de Pedro Nuno a António Costa impunha-se”.

Não é preciso acreditar que assim seja, que o PS o deseje, que António Costa se resigne, para se concluir que se justifica que o meu programa de hoje se centre nestas frases e no que elas significam.

Vou ensaiar um programa em parte diferente, com curtas notas – quase diria de reportagem, se fosse jornalista – e uma conclusão.

E pela primeira vez a rúbrica “A pergunta sem resposta” e “A Loucura Mansa” surgem fundidas numa só.

Vamos ver se estas novidades resultam...

PNS não entusiasmou a plateia do Congresso na 6ª feira, tanto como eu esperava, e parte do problema está em que sucede ao nesse dia omnipresente António Costa, que além do mais está a ganhar um estatuto de mártir de uma conspiração.

Mas o problema é maior porque sendo PNS um tribuno, estava a fazer um esforço hercúleo para negar ou ao menos controlar a sua natureza profunda.

Ou seja, para evitar a sua verdade, correu o risco de parecer cinzento e, pior, não sincero.

Esse problema pode ser resolvido, acredito, até ao início formal da campanha. E de algum modo já foi enfrentado no domingo e com sucesso nos militantes.

É um facto que a natureza de PNS regressa a galope quando se liberta, pelo que a resolução do problema do artificialismo e cinzentismo pode abrir um novo problema. Isso sentiu-se nos momentos em que se soltou do apertado guião que se autoimpusera e mais ainda no domingo.

Em campanha eleitoral é normal a radicalização. Mesmo políticos maçadores, cinzentos, tecnocratas e burocratas – chochos, numa palavra – ensaiam o seu pé de dança.

PNS não é nada disso. Mas quando se entusiasma com o cheiro do sangue do combate eleitoral, o que surge é um radicalismo que lembra a luta de classes do passado, o que o aproxima do tipo de registo em que o BE e o PCP são exímios

Nesse sentido foi muito curioso que de tudo o que Mário Soares disse ao longo de décadas, tivesse escolhido para o vídeo apresentado no Congresso a afirmação de que o PS é “um partido operário”…

Se o alvo fosse derrotar a esquerda radical isto percebia-se. Mas para ganhar o Centro e até setores moderados de Direita – sem o que pode não ganhar – a luta classista é um método perigoso, pois provoca reação no público alvo que se não revê na caricatura.

Isto tem solução? Claro que é para isso que existem os consultores e até os aliados. Mas como a manta é curta, resolver este problema atrai o primeiro problema, o do falso cinzentismo.

Terceira nota, também algo psicológica: PNS é um homem bonito e parece que sexy. Não sei se é por isso, mas há sempre algo um pouco arrogante e condescendente quando sorri e procura ser empático.

Como PNS é sem dúvida um homem de convicções e de ação, isso contribui para tornar difícil que surja nele o lado camaleónico a que Marcelo e Costa nos habituaram, que lhes permite parecer sinceramente interessados em cada um de nós, o que afinal é o paradigma do político moderado por........

© Expresso


Get it on Google Play