Tomou posse há bocadinho o novo Governo.

Os discursos da posse do Governo foram ambos importantes, mas creio que se justifica realçar sobretudo o do Primeiro-Ministro.

Este é o tema de hoje, mesmo quando possa parecer que estou a falar de outras coisas.

Mas antes disso uma declaração de interesses.

A Ministra da Justiça é minha Filha. Não posso evitar louvar a coragem e a dedicação ao Bem Público dos que em todos os governos saem da zona de conforto e entram num universo de que tantos fogem.

Não direi mais e daqui em diante, quando falar do Governo – para louvar ou criticar – não incluirei o Ministério da Justiça. Sobre o ministério e a ministra não direi uma palavra.

É que acho que não saberia ser imparcial nem independente. Claro que é legítimo que alguns pensem, devido à Ministra Rita Alarcão Júdice, que tudo o que eu disser sobre o (restante) Governo de Luis Montenegro será parcial.

Eu sei que não será assim, mas se fosse não seria o primeiro comentador no espaço público a cometer esse erro (sendo que alguns até são parciais por uma legítima opção).

Por isso apenas peço e agradeço que estejam (ainda mais) atentos ao que direi nos próximos tempos.

O PM não podia ser mais claro hoje no seu discurso: “colocou toda a carne no assador”, ou seja, reassumiu o seu programa eleitoral e não deu nenhum sinal de que estivesse a desistir de nenhum dos temas essenciais (reforma do Estado, prioridade Saúde, Educação, Habitação, baixa de impostos).

Depois deixou uma mensagem-objetivo nuclear: o governo é para 4 anos ou até à aprovação de uma moção de censura. Entretanto, espera que o deixem governar.

Mas não senti arrogância ou ameaça, antes sinais de uma vontade de compromissos, de que é exemplo o tema nuclear da luta contra a corrupção.

Como referiu, os dois últimos governos foram interrompidos e na sua tese os portugueses querem que a política não complique, mas resolva.

Será então este um governo de combate? Ou um governo de permanente negociação? Creio que terá de ser as duas coisas, o que evidentemente é contraintuitivo e não será fácil.

Estamos num modelo tripolar, o que é uma mudança estrutural, que resulta do e condiciona o sistema político-social por ser uma profunda alteração de paradigma.

E ninguém estava nem está preparado para isso: Governo, partidos, media, grupos sociais, todos nós os portugueses.

Será um governo de combate? Ou um governo de permanente negociação? Creio que terá de ser as duas coisas, o que evidentemente é contraintuitivo e não será fácil.

E a dificuldade é acrescida porque, realmente, desde os governos de Guterres (sobretudo entre 1995 e 1999) que não existiu uma necessidade tão grande de negociação permanente com a oposição e antes dele só com Mário Soares (entre 1976 e 1978) existia a necessidade de negociar à Direita e à Esquerda do Governo, pelo que nenhum político no ativo em Portugal tem disso experiência.

Mas é nisso que se medirá o sucesso ou fracasso do Governo de Montenegro e a perceção que terá a opinião pública.

E dessa perceção vai depender a votação do Orçamento daqui a 6 meses: que o PS opte pela abstenção e/ou o CHEGA pelo voto favorável. Ou que tenhamos eleições no início de 2025,

Costuma nestas alturas usar-se um lugar comum: os governos são como os melões, só depois de abertos se sabe se são bons. Isso é também óbvio. Mas, ao contrário do Ótimo, o Óbvio não é inimigo do Bom.

Falei de “partidos revolucionários” na passada semana e iremos falar do tema – quer queiramos quer não – nos próximos meses.

O rocambolesco episódio da estratégia de Ventura (“um golpe de génio”, segundo um dos mais famosos deputados do CHEGA) para artificialmente “obrigar” a um acordo entre o PSD e PS para a eleição do Presidente da Assembleia da República, fez-me lembrar situações passadas que – embora a História se não repita – são úteis para essa reflexão sobre “partidos revolucionários”.

O primeiro exemplo de que me recordei foi a tentativa dos moderados para unir todas as forças que se opunham ao regime czarista na Rússia em 1917, após a sua queda.

Aleksandr Fyodorovitch Kerensky tentou agregar os menchevistas e os bolchevistas de Lenine e Trotsky num governo de unidade nacional, mas não conseguiu evitar as reivindicações radicais dos bolchevistas, a que se seguiu a Revolução de Outubro por eles feita e os seguintes 73 anos de totalitarismo.

Um segundo exemplo foi a tentativa dos moderados conservadores nos anos 30 do século passado em conciliar com Hitler e o seu Partido Nacional-Socialista. A teoria era que não se podia deixar um demagogo carismático à solta e que a sua integração no governo o levaria a abandonar o radicalismo.

Teoricamente, após as eleições de novembro de 1932, um acordo entre moderados de Esquerda e de Direita teria podido governar (apesar dos nacional-socialistas terem 33% dos deputados), pois em conjunto teriam 40% dos deputados.

Mesmo que o Partido Popular Nacional Alemão (8%) apoiasse Hitler, seguramente que os comunistas (com 17%) votariam contra um governo de extrema-direita.

O Partido Comunista recusou apoiar um governo moderado liderado pelo Partido Social Democrata, de centro-esquerda, e os moderados de Direita achavam (como muitos em Portugal…) que os socialistas eram piores do que Hitler.

Em janeiro de 1933 o Presidente Hindenburg nomeou Hitler como Chanceler, numa coligação de Direita em que o partido nazi tinha apenas 20% dos ministros.

Semanas depois ardeu o Reichstag, Hitler obteve poderes especiais e seguiram-se 12 anos de totalitarismo e a 2ª Guerra Mundial.

Um exemplo mais: por razões utilitárias e estratégicas, o Presidente do Governo de Espanha, Pedro Sanchez, fez um acordo com os partidos independentista da Catalunha e do País Basco sem que eles tivessem abdicado da via revolucionária da secessão.

O resultado meses depois é evidente. Longe de se moderarem – como por exemplo fez o Partido Nacionalista da Escócia – ameaçam deixar cair o Governo de cada vez que o PSOE hesita em não ceder a tudo o que exigem.

Cada nova sondagem mostra o PP, de direita moderada, com mais votos e a aproximar-se mais da maioria absoluta.

O CHEGA não é um partido nazi, nem bolchevista, nem independentista. Isto é de tal modo óbvio que até me surpreende a mim mesmo achar que o devo realçar. E os tempos são manifestamente outros.

Utilizo estes três exemplos, porque pela sua radicalidade ajudam a perceber melhor. O Partido Nacional-Socialista, o Partido Bolchevista, os partidos independentistas, não aceitavam, como o CHEGA à sua maneira (o meu amigo Diogo Pacheco de Amorim foi claríssimo há dias), o sistema político vigente e queriam e querem subvertê-lo e destruí-lo.

Qualquer acordo que bolchevistas, nazis ou independentistas fizessem ou façam é apenas uma pausa para retomar a seguir e com mais exigências e energia o projeto revolucionário.

E, evidentemente, não respeitam nenhum acordo.

Por isso não tenho dúvidas em dizer que seria um erro trágico para a AD (e para o sistema político) fazer agora um acordo com o CHEGA.

Mas isso não significa que – estando ele na oposição – não seja possível e até desejável fazer acordos pontuais sempre que isso seja adequado e viável.

Dizem-me amigos e conhecidos mais ingénuos, mais puros ou menos exigentes, que sem um acordo com o CHEGA este deitará abaixo o governo e destruirá o PSD nas eleições seguintes.

Não penso nem temo isso, mas ainda que assim fosse, seria ainda preferível em minha opinião que isso acontecesse do que fazer acordos com quem não abandonou a estratégia revolucionária.

À Esquerda isso já ocorreu. Mário Soares em 1976 teria maioria absoluta com o PCP, mas fez um acordo com o CDS. Passados anos o PCP e o BE deixaram de ser na prática revolucionários, como a geringonça demonstrou.

Ou seja, a bola está no lado do CHEGA: se evoluir pela estrada de ser “apenas” um poder disruptivo (como agora são os seus rivais radicais de Esquerda) tudo passaria a ser possível.

Sem que Ventura o demonstre – “para lá de uma dúvida razoável”, como se diz nos tribunais, e é critério muito exigentecontinuo a achar que é melhor morrer de pé do que sobreviver rastejando.

Sobretudo quando acho que o exemplo entre outros de Mário Soares, de Zenha e de Manuel Alegre demonstra que não é cedendo aos radicais que se salva a democracia e a liberdade.

A José Pedro Aguiar Branco e Francisco Assis, senadores da República, dois experientes políticos moderados.

Neles simbolizo o que me leva a acreditar no sistema político democrático, no que tem de melhor, e louvo todos os que contribuíram para a solução que pôs termo a um impasse na eleição do Presidente da Assembleia da República.

Estamos a entrar num período muito difícil, que exige firmeza de convicções, gelo nos pulsos, coragem para enfrentar provocações e insultos, capacidade de diálogo e negociação.

Estejam por isso atentos ao que ambos digam e façam.

Memórias Minhas” (D. Quixote) de Manuel Alegre é uma proposta evidente para o mês de Abril, 50 anos depois.

Com outros, Manuel Alegre foi alguém que esteve do lado da Liberdade, antes e depois do 25 de abril, correndo riscos e sofrendo ataques éticos inadmissíveis e incorretos.

Confesso que gosto de Alegre. Lembro uma semana em que ocasionalmente nos encontrámos num pequeno resort no Algarve antes da sua candidatura presidencial de 2006, não íamos muito à praia, mas muito conversámos durante alguns dias.

Nunca esquecerei a estupefação dele quando lhe referi que, no meu grupo juvenil de Direita, no início dos anos 70 em Coimbra, a sua “Carta do Manuelinho de Évora a Miguel de Vasconcelos, ministro do reino por vontade estranha” e outros poemas da “Praça da Canção” eram recitados nas nossas noites boémias.

Não consigo, talvez por isso também, ser totalmente imparcial na sugestão. Leiam, pois, e perceberão melhor a luta pela Liberdade, em bela e escorreita prosa.

Muito da luta política nos próximos meses vai decorrer à volta do tema dos “cofres cheios”, que foi um ponto nuclear no discurso do PM.

Segundo me parece, há três teses:

A pergunta é óbvia e dirige-se ao Ministro Miranda Sarmento: não acha que deveria pedir a alguém independente (por exemplo Paulo Trigo Pereira) que faça de imediato uma análise, para que todos nós fiquemos a saber o que é a realidade, antes das guerras políticas nos confundirem ainda mais?

Chegou-me a imagem que surge nos vossos ecrãs.

Quero acreditar que é uma montagem e que nem André Ventura nem Bruno Nunes disseram o que podem ler: “A Ministra da Saúde é como um porco em cima de uma árvore”.

É falso o que dizem sobre o caso das gémeas (e a Juventude Socialista também disse, mas nesse caso merece o elogio por ter pedido desculpas), mas a loucura não é essa.

Loucura é que o modo como o CHEGA se refere a adversários políticos permita que se admita que isto é verdade e - pior – se o for.

QOSHE - As Causas. Um Governo para quantas estações? - José Miguel Júdice
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As Causas. Um Governo para quantas estações?

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02.04.2024

Tomou posse há bocadinho o novo Governo.

Os discursos da posse do Governo foram ambos importantes, mas creio que se justifica realçar sobretudo o do Primeiro-Ministro.

Este é o tema de hoje, mesmo quando possa parecer que estou a falar de outras coisas.

Mas antes disso uma declaração de interesses.

A Ministra da Justiça é minha Filha. Não posso evitar louvar a coragem e a dedicação ao Bem Público dos que em todos os governos saem da zona de conforto e entram num universo de que tantos fogem.

Não direi mais e daqui em diante, quando falar do Governo – para louvar ou criticar – não incluirei o Ministério da Justiça. Sobre o ministério e a ministra não direi uma palavra.

É que acho que não saberia ser imparcial nem independente. Claro que é legítimo que alguns pensem, devido à Ministra Rita Alarcão Júdice, que tudo o que eu disser sobre o (restante) Governo de Luis Montenegro será parcial.

Eu sei que não será assim, mas se fosse não seria o primeiro comentador no espaço público a cometer esse erro (sendo que alguns até são parciais por uma legítima opção).

Por isso apenas peço e agradeço que estejam (ainda mais) atentos ao que direi nos próximos tempos.

O PM não podia ser mais claro hoje no seu discurso: “colocou toda a carne no assador”, ou seja, reassumiu o seu programa eleitoral e não deu nenhum sinal de que estivesse a desistir de nenhum dos temas essenciais (reforma do Estado, prioridade Saúde, Educação, Habitação, baixa de impostos).

Depois deixou uma mensagem-objetivo nuclear: o governo é para 4 anos ou até à aprovação de uma moção de censura. Entretanto, espera que o deixem governar.

Mas não senti arrogância ou ameaça, antes sinais de uma vontade de compromissos, de que é exemplo o tema nuclear da luta contra a corrupção.

Como referiu, os dois últimos governos foram interrompidos e na sua tese os portugueses querem que a política não complique, mas resolva.

Será então este um governo de combate? Ou um governo de permanente negociação? Creio que terá de ser as duas coisas, o que evidentemente é contraintuitivo e não será fácil.

Estamos num modelo tripolar, o que é uma mudança estrutural, que resulta do e condiciona o sistema político-social por ser uma profunda alteração de paradigma.

E ninguém estava nem está preparado para isso: Governo, partidos, media, grupos sociais, todos nós os portugueses.

Será um governo de combate? Ou um governo de permanente negociação? Creio que terá de ser as duas coisas, o que evidentemente é contraintuitivo e não será fácil.

E a dificuldade é acrescida porque, realmente, desde os governos de Guterres (sobretudo entre 1995 e 1999) que não existiu uma necessidade tão grande de negociação permanente com a........

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