Da apresentação pública do último relatório do Observatório das Migrações, foi destacado um facto: os imigrantes foram responsáveis por um saldo positivo de 1,6 mil milhões de euros na Segurança Social. Em 2022, contribuíram com 1.861 milhões e só beneficiaram de cerca de 257 mil euros. As suas contribuições tiveram, no ano passado, o valor mais elevado de sempre. Quase duplicaram face há quatro anos. Os imigrantes têm, aliás, uma taxa de atividade superior à dos portugueses: a imigração é essencialmente laboral, os imigrantes são em regra mais jovens e há uma percentagem muito menor de reformados.

Aqueles que, por ignorância ou má-fé, sugerem que a imigração teria um custo para os nacionais ou para o Estado, encontram nestes dados um categórico desmentido. Os imigrantes pagam sete vezes mais ao sistema público do que recebem em subsídios ou apoios. São por isso os portugueses quem beneficia de subsídios e pensões pagos pelos imigrantes. De um ponto de vista estritamente económico e de equilíbrio da segurança social, os imigrantes são indispensáveis para o nosso país, que tem tudo a ganhar com a sua presença.

Os imigrantes pesam 7,5% no total da população. Em 10 anos, o número de trabalhadores estrangeiros por conta de outrem aumentou mais de 70%. É uma transformação de fundo no perfil da população empregada e é uma das mais importantes mudanças estruturais no país. Ao contrário do que sugere a direita quando fala de “controlo”, nós não precisamos de diminuir este ritmo, mas de continuar a receber mais pessoas, só que muito melhor.

Sem os imigrantes, alguns setores económicos entrariam em colapso: serviços, restauração, construção, produção agrícola, transportes de passageiros e de comida, por exemplo. Mas eles e elas estão mais expostos a acidentes mortais, têm remunerações médias mais baixas nos mesmos setores e trabalham mais horas semanais do que os portugueses. São muitas vezes vítimas de engajadores sem escrúpulos ou de intermediários que os exploram e se aproveitam deles, seja na agricultura, nas obras ou nos serviços, incluindo nas plataformas digitais. Sofrem com a crise da habitação, porque os seus salários frequentemente nem chegam para um quarto. Nepaleses, bengaleses, tailandeses, guineenses, são-tomenses, paquistaneses, cabo-verdianos ou indianos recebem menos um terço do que os portugueses e são quem tem menos direitos.

É pois insuportável que não nos organizemos, enquanto sociedade, para garantir condições decentes de trabalho, habitação, acesso à língua e ao ensino. Regular a imigração não é reprimir fluxos nem fazer discursos xenófobos, transformando em culpados de tudo as vítimas da desigualdade e da desregulação do mercado. É termos políticas públicas de acolhimento que incluam a regularização da situação laboral de todos os imigrantes, um combate sem tréguas à exploração laboral, fazendo neste campo o que se fez com o trabalho infantil na década de 1990. É incluirmos os imigrantes na representação sindical e na contratação coletiva. É subirmos os salários e termos uma oferta de habitação que os salários possam pagar. É não permitir a instalação de empresas de agricultura intensiva em territórios onde não há resposta de alojamento. É termos programas amplos de formação gratuita de língua portuguesa. É mudar as escolas que devem estar preparadas para acolher crianças de tantas nacionalidades, com mais professores, mais línguas e mais mediadores.

É também combatermos sem tréguas o ódio, como o que recentemente matou, em Setúbal, Gurpreet Singh, jovem indiano de 25 anos, assassinado com um tiro de caçadeira no peito, disparado através de uma janela, quando descansava no seu quarto. A investigação policial considerou que o crime resultava de uma “motivação puramente racista” por parte dos dois suspeitos, de nacionalidade portuguesa, que tentaram matar todos os cinco ocupantes daquela casa. Como é que este caso não motivou um enorme sobressalto cívico e político?

E a que corresponde, afinal, a retórica do “controlo da imigração” com que a extrema-direita cobre os seus discursos xenófobos contra a imigração e com que a outra direita adorna as suas declarações sobre o emprego? Quem usa esse discurso sabe bem que a economia portuguesa depende do trabalho migrante e nem sequer quer dispensá-lo, mas também não propõe mais habitação ou salário, mais direitos ou proteção. Quer mantê-lo a contribuir, mas indefeso e sem direitos.

QOSHE - A direita quer “controlar a imigração” ou apenas mantê-la indefesa e sem direitos? - José Soeiro
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A direita quer “controlar a imigração” ou apenas mantê-la indefesa e sem direitos?

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20.12.2023

Da apresentação pública do último relatório do Observatório das Migrações, foi destacado um facto: os imigrantes foram responsáveis por um saldo positivo de 1,6 mil milhões de euros na Segurança Social. Em 2022, contribuíram com 1.861 milhões e só beneficiaram de cerca de 257 mil euros. As suas contribuições tiveram, no ano passado, o valor mais elevado de sempre. Quase duplicaram face há quatro anos. Os imigrantes têm, aliás, uma taxa de atividade superior à dos portugueses: a imigração é essencialmente laboral, os imigrantes são em regra mais jovens e há uma percentagem muito menor de reformados.

Aqueles que, por ignorância ou má-fé, sugerem que a imigração teria um custo para os nacionais ou para o Estado, encontram nestes dados um categórico desmentido. Os imigrantes pagam sete vezes mais ao sistema público do que recebem em subsídios ou apoios. São por isso os portugueses quem beneficia de subsídios e pensões pagos pelos imigrantes. De um ponto de vista estritamente económico e de equilíbrio da segurança social, os imigrantes são indispensáveis para o nosso país, que tem tudo a ganhar........

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