Em Belém, onde se acredita ter nascido Jesus, o Natal foi cancelado. Pejada de soldados israelitas e de carros blindados, Belém é, por estes dias, uma cidade fantasma. As casas e as lojas estão fechadas. Não há turistas nem luzes decorativas nem a árvore de natal na Praça da Manjedoura. Frente à Basílica da Natividade, uma das mais antigas igrejas do mundo, construída sobre a gruta onde Maria terá dado à luz, há um menino Jesus queimado pelas bombas de Gaza, dentro de uma incubadora verdadeira, numa instalação da artista Rana Bishara.

Se alguém quisesse seguir as estrelas para encontrar o caminho, como se conta que aconteceu há mais de 2 mil anos, confundi-las-ia provavelmente com as bombas israelitas. A véspera de Natal foi uma das noites mais sangrentas desde o início dos ataques. 166 civis palestinianos foram assassinados entre a véspera e o dia de Natal, quase 400 ficaram feridos. Uns e outros somam-se à conta macabra de mais de 20 mil mortos e 54 mil feridos desde 7 de outubro, quase todos em Gaza.

Perto de dois milhões de palestinianos foram expulsos de suas casas, mais de cem funcionários da ONU foram mortos, quase uma centena de jornalistas perderam a vida sob os bombardeamentos do exército israelita. Todos os dias se enterram crianças retiradas sem vida de baixo dos escombros.

Não têm sido poupados hospitais, nem escolas, nem igrejas, nem mesquitas, nem campos de refugiados. Não há alimentação, nem medicamentos. Nem há para onde ir. É um colapso humanitário a acontecer perante os olhos do mundo. Um genocídio diante de nós, com a cumplicidade da maior potência do mundo, que tem bloqueado as resoluções sobre o cessar-fogo na ONU. Nem os apelos desesperados de Guterres nem as súplicas do Papa para que cessem as operações militares têm valido.

A ofensiva israelita continua, construída sobre a falsidade escandalosa de que há uma solução militar para o conflito no médio oriente. Acrescentando a mais de meio século de ocupação ilegal dos territórios palestinianos e a 75 anos de violação do direito internacional a carnificina em curso. Sem sanções, impune perante a comunidade internacional, com a passividade da generalidade dos governos.

“Como se pode falar de paz, se cresce a produção, a venda e o comércio das armas?”, perguntou também o Papa no dia de Natal, indagando sobre o dinheiro público destinado a armamentos e sobre “os interesses e os lucros que movem os cordelinhos das guerras”. Quem os tem denunciado, combatido, boicotado? Quanto o temos feito? Com que profundidade e eficácia?

Contra a mudez e este horror ilimitado, contra a duplicidade e o preconceito, falemos. De paz, de soluções políticas, de justiça contra a ocupação. Do direito de todos, sem excepção, a serem hóspedes do mundo.

QOSHE - Lá, onde Jesus nasceu - José Soeiro
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Lá, onde Jesus nasceu

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28.12.2023

Em Belém, onde se acredita ter nascido Jesus, o Natal foi cancelado. Pejada de soldados israelitas e de carros blindados, Belém é, por estes dias, uma cidade fantasma. As casas e as lojas estão fechadas. Não há turistas nem luzes decorativas nem a árvore de natal na Praça da Manjedoura. Frente à Basílica da Natividade, uma das mais antigas igrejas do mundo, construída sobre a gruta onde Maria terá dado à luz, há um menino Jesus queimado pelas bombas de Gaza, dentro de uma incubadora verdadeira, numa instalação da artista Rana Bishara.

Se alguém quisesse seguir as estrelas para encontrar o caminho, como se conta que aconteceu há mais de 2 mil anos, confundi-las-ia provavelmente com........

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