É bastante distópico ser estudante no tempo que estamos a viver.

Descrevem-nos este período da nossa vida como a altura de grandes esperanças, de grandes sonhos e como uma altura de projeção do futuro que almejamos construir. Porém, neste momento histórico, só vemos algo que, mais que nunca, é completamente abstrato. Entre crise climática, crise de habitação, crise de custo de vida e ascensão do fascismo – crises indiscutivelmente interligadas – o nosso futuro nunca foi tão incerto como agora.

Parece estranho estarmos ativamente em construção de um futuro que não sabemos como virá. De que vale um diploma num mundo em chamas?

Face a isto, muitos estudantes sentem a desproporcionalidade no que toca à resposta do "movimento estudantil" ao momento atual, em que seria necessária uma maior combatividade.

Fala-se muito em "luta estudantil", mas isso atualmente parece apenas significar invocar o passado e organizar ou participar em marchas pontuais com os mesmos cânticos de há décadas, saindo à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas. É um movimento que se perde em lutas burocráticas e recua ao primeiro aviso feito pela autoridade.

Celebrar Abril sem o cumprir é um erro que estamos a fazer há demasiado tempo. A luta estudantil, cooptada por juventudes partidárias, está desligada da realidade em que estamos a viver.

Os exemplos históricos que nos inspiram são comoventes porque foram atos corajosos, atos de disrupção de uma normalidade que não podia continuar. Pensemos em Alberto Martins, estudante em 1969 na Universidade de Coimbra, que, cara a cara com as altas patentes do Estado Novo, se levantou para pedir a palavra, sabendo que não o podia fazer.

É inspirador porque pesou as consequências e decidiu desobedecer porque o silêncio era muitíssimo mais ensurdecedor e intolerável do que a repressão que iria enfrentar.

É o mesmo que se passa, 55 anos mais tarde com as estudantes retidas pela polícia no semestre passado no mesmo exato local em Coimbra, por lutar por fim ao fóssil até 2030 e por um presente e um futuro para todos. Tal como, só no espaço de um ano e meio já aconteceu também na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e na reitoria e nas faculdades de Letras e de Psicologia da Universidade de Lisboa.

O porquê destes protestos também é o mesmo: não aceitamos a vida que nos está a ser imposta. Como jovens no limiar de um futuro, é nosso dever rebelar-nos contra as injustiças que este sistema nos impõe.

É necessário ressalvar aqui que uma das vitórias de Abril foi a de manter a polícia fora do campus das nossas faculdades. Até há alguns anos isto seria impensável, mas, de facto, voltou a acontecer, e isso significa algo.

Hoje, a luta estudantil não se pode distanciar do momento histórico em que nos inserimos. Hoje, os tempos são diferentes: Clima não é causa. Clima é contexto. Pela primeira vez em toda a história da humanidade deparamo-nos com o facto da nossa luta ter um prazo para a vitória.

A ciência dita o fim das condições materiais para uma vida digna, e estamos prestes a ultrapassar esse valor. A ciência e a justiça são claras quando alertam para o necessário: precisamos do Fim ao fóssil até 2030.

O sistema é claro ao não ter sistema, é claro ao não ter nenhum plano para isto. Os nossos prazos não são os mesmos de há 60 anos. Desta vez, garantir uma vida digna para todos é feito com menos margem de manobra. O ritmo atual de mudança não é suficiente face ao que estamos a viver. Torna-se então claro que a insurgência pela vida é uma necessidade.

O movimento estudantil vê-se numa encruzilhada: lutar ativamente pelo seu futuro ou continuar a repetir as mesmas formas de protesto dos últimos anos, que não têm dado fruto, ou, pelo menos, não o suficiente.

Eu sei o que está em jogo e não vou arriscar. Esta foi a decisão dos estudantes organizados na Greve Climática Estudantil, quando após dois anos de marchas perceberam que fazer isso apenas não era suficiente face à destruição, colapso e mortes que a crise climática estava a causar com uma intensidade crescente.

É insanidade achar que repetindo as mesmas coisas que não têm funcionado vamos chegar a lado algum. O movimento estudantil deve sim ser disruptivo. Como não ser?

Esmagados por tudo o que nos impõe este sistema e sem tempo de manobra para o “ir fazendo” e sem mais paciência para negociar, a alternativa que nos deixaram é uma luta que se deve fazer combativa e ativa, constante, criativa e interseccional.

Devo mencionar aqui que a ativista Greta Thunberg esteve durante toda a semana passada a bloquear o parlamento sueco, exigindo justiça climática. A própria Greta que começou a o movimento de greve à sexta tem sido detida inúmeras vezes nos mais diversos protestos climáticos. E percebeu, tal como nós, que precisamos de interromper as instituições de poder que nos estão a condenar.

Todos nós entendemos a necessidade de escalar.

Considerando tudo isto, este não pode ser só mais um texto inflamado com frases bonitas e promessas vagas de uma rebelião que deve acontecer. Sem futuro não há paz, não é apenas uma frase para ser gritada numa marcha. É uma forma de luta.

É saber que não nos contentamos a sair de cravo na mão às horas certas, nem nos contentamos em nos rebelarmos uma vez por semestre contra o caos que nos é imposto todos os outros dias. Estarmos sujeitas e vergadas sobre isso mesmo.

É sabermos que enquanto o nosso governo não tiver um plano que garanta fim ao fóssil até 2030, e com isso nos garanta um futuro, nós não lhe daremos paz.

Não apenas no dia 24 de março, não apenas no dia 25 de abril, ou noutro dia assinalado como de luta, mas todos os dias, em todo o lado, a todo o momento.

Este ano de 2024 é um ano de oportunidades. A nova conjuntura política não vai sair impune sem os estudantes terem algo a dizer. Precisamos de um movimento massivo e disruptivo que se mobilize por justiça climática e justiça social, porque não nos deixaram outra hipótese.

Em vésperas de eleições europeias, aproveitaremos cada momento e cada instante para nos organizarmos e mobilizarmos, e garantir o fim da destruição do nosso presente e o roubo do nosso futuro. Temos uma escolha pela frente. O que é que tu vais fazer?

QOSHE - Movimento estudantil em tempos de crise climática - Matilde Ventura
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Movimento estudantil em tempos de crise climática

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26.03.2024

É bastante distópico ser estudante no tempo que estamos a viver.

Descrevem-nos este período da nossa vida como a altura de grandes esperanças, de grandes sonhos e como uma altura de projeção do futuro que almejamos construir. Porém, neste momento histórico, só vemos algo que, mais que nunca, é completamente abstrato. Entre crise climática, crise de habitação, crise de custo de vida e ascensão do fascismo – crises indiscutivelmente interligadas – o nosso futuro nunca foi tão incerto como agora.

Parece estranho estarmos ativamente em construção de um futuro que não sabemos como virá. De que vale um diploma num mundo em chamas?

Face a isto, muitos estudantes sentem a desproporcionalidade no que toca à resposta do "movimento estudantil" ao momento atual, em que seria necessária uma maior combatividade.

Fala-se muito em "luta estudantil", mas isso atualmente parece apenas significar invocar o passado e organizar ou participar em marchas pontuais com os mesmos cânticos de há décadas, saindo à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas. É um movimento que se perde em lutas burocráticas e recua ao primeiro aviso feito pela autoridade.

Celebrar Abril sem o cumprir é um erro que estamos a fazer há demasiado tempo. A luta estudantil, cooptada por juventudes partidárias, está desligada da realidade em que estamos a viver.

Os exemplos históricos que nos inspiram são comoventes porque foram atos corajosos, atos de disrupção de uma normalidade que não podia continuar. Pensemos em Alberto Martins, estudante em........

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