O wokismo é quase sempre, pelo menos em Portugal, uma mera desculpa para uma certa direita radicalmente conservadora ou assumidamente reacionária dizer as maiores alarvidades. E, depois de as dizer, com toda a liberdade, procurar calar a crítica com o argumento de que ela é excessiva. Como se houvesse maior violência verbal na critica feita do que na ideia peregrina de dar estatuto à mulher dona de casa, num movimento que reduz as mulheres a fêmeas destinadas a engravidar, ter os filhos e, pelo caminho, cuidar de manter a casa limpa e o jantar feito a horas.

O wokismo, que é visto pelos seus defensores como um movimento de luta pela justiça social que procura combater a discriminação baseada no género, na orientação sexual ou na raça, nasceu à esquerda. É, muitas vezes, exagerado, mas acontece que os seus críticos à direita, depois de denunciarem um movimento extremista que, partindo de uma posição de superioridade moral, procura calar e cancelar quem pensa de forma diferente, estão a procurar lançar o seu próprio movimento de cancelamento. Chega a dar vontade de rir, a vontade com que querem calar os que acusam de os querer calados.

Nesta direita, que agora desatou a lançar livros com coletâneas de textos, a pretexto de estarem a combater imposições que não existem, há uma certa inveja pelo sucesso que imaginam existir nos excessos wokistas, a que chamam ideologia de género ou sovietização das escolas. No fundo, com a aproximação dos 50 anos do 25 de Abril, sentem-se bastante desconfortáveis e sonham com o regresso ao tempo do lema “Deus, Pátria e Família”.

Esse foi um tempo que, em nome da religião, se proibia a interrupção voluntária da gravidez, prendendo as mulheres que o faziam, ou matando-as quando o aborto no vão de escada corria mal. Esse foi o tempo em que, para defender a pátria do Minho a Timor, morreram mais de 10 mil jovens portugueses na guerra e mais do dobro ficaram inválidos. Esse foi o tempo em que as famílias tinham um chefe a quem a mulher devia obediência e em que a violência doméstica era uma prova de amor e não um crime público.

Expresso da Manhã

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Sendo certo que o estudo do ICS e ISCTE nos diz que uma maioria de portugueses vê o 25 de Abril como a data mais importante da História de Portugal, a história do homem que mordeu o cão são os 29% dos portugueses que acham que Portugal estava melhor antes da Democracia ou os 23% que consideram que a atual classe política devia inspirar-se em Salazar. E ainda há os 34% que preferem líderes fortes que não tenham de se preocupar com eleições e oposição.

Como se vê, há muito terreno para lavrar por esta direita reacionária que acordou para uma vontade de lutar por um regresso ao passado. Estão longe de ter um apoio maioritário dos portugueses mas, mesmo que um dia isso venha a acontecer, calar não é opção.

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A direita que acorda (woke) com alergia a Abril

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22.04.2024

O wokismo é quase sempre, pelo menos em Portugal, uma mera desculpa para uma certa direita radicalmente conservadora ou assumidamente reacionária dizer as maiores alarvidades. E, depois de as dizer, com toda a liberdade, procurar calar a crítica com o argumento de que ela é excessiva. Como se houvesse maior violência verbal na critica feita do que na ideia peregrina de dar estatuto à mulher dona de casa, num movimento que reduz as mulheres a fêmeas destinadas a engravidar, ter os filhos e, pelo caminho, cuidar de manter a casa limpa e o jantar feito a horas.

O wokismo, que é visto pelos seus defensores como um movimento de luta pela justiça social que procura combater a discriminação baseada no género, na orientação........

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