O cartunista Nuno Saraiva fez um desafio a alguns dos seus pares: ora desenhem lá qualquer coisinha para apelar à participação nas próximas eleições! Não sei se os termos exatos foram estes, mas o sentido seguramente foi. E, desse exercício coletivo, pedi emprestado ao João Carola a frase para título deste texto. A imagem que ele criou dá força à ideia, mostrando uma urna transparente com alguns votos dentro e o convite ao voto destacado no texto. Parece-me apropriado para o momento que vivemos.

Um dos sentimentos mais fortes na democracia, infelizmente, é negativo. É frequente acontecer o desencanto com o resultado de um voto, o percurso de um candidato ou a posição de um partido que trai a confiança depositada nas urnas. Começa por um arrependimento e facilmente passa a zanga. Muitos destes sentimentos engrossam os números da abstenção: quem vê os seus interesses representados ou defendidos, vai votar; quem se sente abandonado ou traído tende a afastar-se das eleições ou a ficar indeciso até à última hora.

As mais recentes sondagens dão conta que o número de indecisos pode definir o resultado eleitoral - cerca de um milhão de pessoas. Nestes números não estão os privilegiados do nosso país. Muitos desses, apesar de dizerem mal da política e dos políticos, já têm o seu voto decidido. Eles repetem que são todos iguais, mas não é verdade, isso é o que quer quer pensemos os que têm os seus interesses e privilégios protegidos e instalados desde que nasceram. Não os deixes sozinhos!

Eu sei que é fácil estar zangado com o PS. Em particular o povo de esquerda, que votou no PS nas últimas eleições com medo da direita, tem muitos motivos para estar zangado. Onde a direita ameaça, o PS não protegeu. Foi assim dos direitos das mulheres - a direita ameaça o acesso a aborto mas o PS tornou muito difícil as mulheres acederem a esse serviço no Serviço Nacional de Saúde; Foi assim no SNS, na Escola Pública, no salário, no combate à precariedade, no combate ao caos climático. Mas a direita que te ameaça e o PS que não te protege irá votar. Não os deixes sozinhos!

Porque o país não é dos bancos agiotas, não é dos especuladores, não é da elite corrupta, o país não é da elite medíocre, o país é nosso e vamos conseguir recuperá-lo. Mas sabemos que os banqueiros agiotas irão votar, que os especuladores irão votar, que a elite corrupta irá votar, que os privilegiados do país irão votar: Não os deixes sozinhos!

Sei como o dia a dia é difícil. Muitas vezes a vida quotidiana é injusta e funciona a favor dos mesmos. Por isso a democracia é o poder da gente sem privilégios, os 99% da sociedade, e há que levar essa vida até às urnas. Que votem os fardos e as angústias do quotidiano e faremos a diferença, que votem os tupperwares no trabalho e os cafés para aguentar o dia e faremos a diferença, que votem os malabarismos para chegar ao fim do mês e as noites sem dormir e faremos a diferença, que vote a angústia das listas de espera ou da falta de creches e faremos a diferença, que vote o medo de não conseguir pagar a renda ou a prestação ao banco e faremos a diferença, que votem as marcas dos piropos e da violência de género e faremos a diferença, que votem as gerações que exigem medidas para combater o caos climático e faremos a diferença, que votem as pessoas que querem uma vida boa e faremos a diferença. Não os deixes votar sozinhos!

No próximo domingo, é a força do teu voto que pode derrotar o medo, derrotar a resignação, derrotar a desconfiança e derrotar o cinismo. Não os deixes sozinhos, vota!

QOSHE - Não os deixes sozinhos, vota! - Pedro Filipe Soares
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Não os deixes sozinhos, vota!

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06.03.2024

O cartunista Nuno Saraiva fez um desafio a alguns dos seus pares: ora desenhem lá qualquer coisinha para apelar à participação nas próximas eleições! Não sei se os termos exatos foram estes, mas o sentido seguramente foi. E, desse exercício coletivo, pedi emprestado ao João Carola a frase para título deste texto. A imagem que ele criou dá força à ideia, mostrando uma urna transparente com alguns votos dentro e o convite ao voto destacado no texto. Parece-me apropriado para o momento que vivemos.

Um dos sentimentos mais fortes na democracia, infelizmente, é negativo. É frequente acontecer o desencanto com o resultado de um voto, o percurso de um candidato ou a posição de um partido que trai a confiança depositada nas urnas. Começa por um arrependimento e facilmente passa a zanga. Muitos destes sentimentos engrossam os números da abstenção: quem vê os seus interesses representados........

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