As mais recentes eleições legislativas em Portugal representaram um autêntico terramoto político, pondo termo ao tradicional bipartidarismo que caracterizou a democracia portuguesa nas últimas décadas. O emergir do Chega, grande vencedor das eleições, como a terceira força política mais votada é um fenómeno sem precedentes na política nacional, simbolizando um claro descontentamento com as forças tradicionais e um apetite por novas soluções políticas. De saudar, a diminuição significativa da abstenção, que revela uma crescente maturidade democrática dos portugueses.

Por outro lado, não deixa de ser intrigante observar que, no ano em que celebramos meio século de liberdade e democracia, quase um quarto dos lugares na Assembleia da República vá ser preenchido por votos de protesto, resultantes da soma dos extremos, tanto à esquerda como à direita.

Só por si, este facto deve incitar uma reflexão profunda por parte de todos os intervenientes relevantes e centrais do sistema que tem governado Portugal nos últimos 50 anos.

Outra reflexão premente que deve ser feita, tem a ver com a iliteracia política e o impacto dos "soundbites" na decisão dos eleitores. O partido “ADN”, cuja sigla é curiosamente semelhante à da coligação vencedora, “AD”, registou uma surpreendente votação superior a 100 mil votos, um crescimento exponencial face à sua performance em 2022 (10 vezes mais). Este aumento, que ultrapassou até os votos alcançados pelo CDS em 2022, evidencia como é relativamente simples confundir ou enganar uma parte significativa da população através de estratégias de comunicação simplistas. Este facto não só realça a responsabilidade dos partidos políticos e dos meios de comunicação social na divulgação de informação clara e precisa, mas também sublinha a imperiosa necessidade de educar os eleitores, de modo a que as suas escolhas nas urnas sejam feitas de maneira mais informada e consciente.

A noite eleitoral viveu-se sob o signo da incerteza, com a maioria dos líderes partidários a adiar as suas intervenções para além da meia-noite. Este facto, por si só revelador da imprevisibilidade dos resultados, traduz a tensão que se viveu ao longo da contagem dos votos. Portugal vê-se perante um cenário político de fragilidade evidente, onde as instituições democráticas assumem um papel crucial, sendo chamadas a garantir a estabilidade do governo que emergirá deste complexo xadrez eleitoral.

Este novo panorama parlamentar, marcado pela pluralidade e pela diversificação da representação política, impõe a necessidade de se procurarem consensos alargados. O diálogo e a construção de pontes entre os diversos partidos nunca foram tão relevantes. A implementação de um programa de governo neste contexto exigirá uma capacidade inédita de negociação e inclusão das diferentes forças políticas, sublinhando a importância do bom senso e do sentido de estado por parte dos líderes políticos.

Todos os eleitos têm sobre si uma responsabilidade política de magnitude elevada. A interpretação dos resultados e dos mandatos que daí advêm exige um espírito aberto à negociação. Esta postura deve ser transversal, quer na viabilização do orçamento quer na definição das grandes linhas de orientação política para o país. A possibilidade de um entendimento entre partidos tão diversos quanto o PS e o Chega coloca-se no horizonte, dependendo esta da habilidade negocial dos intervenientes e da sua disposição para encontrar pontos de convergência.

A oposição, neste contexto, não pode ficar à margem das responsabilidades. É imperativo que assuma uma postura de responsabilidade política, contribuindo de forma construtiva para a estabilidade de que Portugal tanto necessita neste momento. A expressão do voto, traduzida na correlação de forças na Assembleia da República, é o reflexo mais fiel da vontade do povo português, que se espera que seja respeitada e honrada pelos eleitos.

Luís Montenegro, face ao desafio de se tornar o próximo Primeiro-Ministro, terá a árdua tarefa de interpretar os sinais dados pelos eleitores, procurando garantir a governabilidade do país. Este exercício não só testará a sua capacidade de liderança como também a sua habilidade em navegar um panorama político complexo, sem descurar as expectativas de mais de um milhão e oitocentos mil portugueses que nele depositaram a sua confiança.

Como tenho mencionado repetidamente, seja enquanto cidadão, empresário, ou dirigente associativo, a cooperação representa o maior desafio deste século para a humanidade. O desfecho destas eleições e o panorama político que delas emerge são a concretização dessa realidade. A mensagem dos portugueses foi clara: colaborem, construam pontes, cheguem a um entendimento e governem. O país deve ser a prioridade, agora mais do que nunca.

Em conclusão, estas eleições não se resumem a um simples acto eleitoral; representam um grito por renovação, por responsabilidade e por um novo paradigma de governação. Embora o caminho a seguir se afigure desafiante, é através da cooperação, do diálogo, do respeito mútuo e de um compromisso renovado com os valores democráticos que Portugal poderá transcender este momento de incerteza, caminhando para um futuro mais estável e próspero.


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Uma nova era política em Portugal: desafios e perspectivas pós-eleições legislativas

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14.03.2024

As mais recentes eleições legislativas em Portugal representaram um autêntico terramoto político, pondo termo ao tradicional bipartidarismo que caracterizou a democracia portuguesa nas últimas décadas. O emergir do Chega, grande vencedor das eleições, como a terceira força política mais votada é um fenómeno sem precedentes na política nacional, simbolizando um claro descontentamento com as forças tradicionais e um apetite por novas soluções políticas. De saudar, a diminuição significativa da abstenção, que revela uma crescente maturidade democrática dos portugueses.

Por outro lado, não deixa de ser intrigante observar que, no ano em que celebramos meio século de liberdade e democracia, quase um quarto dos lugares na Assembleia da República vá ser preenchido por votos de protesto, resultantes da soma dos extremos, tanto à esquerda como à direita.

Só por si, este facto deve incitar uma reflexão profunda por parte de todos os intervenientes relevantes e centrais do sistema que tem governado Portugal nos últimos 50 anos.

Outra reflexão premente que deve ser feita, tem a ver com a iliteracia política e o impacto dos "soundbites" na decisão dos eleitores. O partido “ADN”, cuja sigla é curiosamente semelhante à da coligação vencedora, “AD”, registou uma surpreendente votação superior a........

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