O parlamento português que tomou posse esta semana tem apenas 76 deputadas (33,04% do total). Façamos paralelismos. Portugal tem um dos piores desempenhos entre os países lusófonos (fica atrás de Moçambique, Angola, Cabo Verde, Timor-Leste), entre os países do sul da Europa (onde a média é 36,7%) e chega a ter menos deputadas do que países autocráticos como a Bielorrússia, Emirados Árabes Unidos ou Nicarágua. Há 55 países com melhores índices de representação feminina nas respetivas casas da democracia.

Num contexto em que o parlamento português foi acometido por uma intoxicação aguda de tacticismo partidário e em que são solitários os que se preocupam com a dignidade das instituições ou com os reais interesses do coletivo, a representatividade das mulheres conta pouco. Mas é exatamente nestes momentos que devemos salientar que o índice de representação feminina do novo parlamento português é o pior dos últimos 10 anos, segundo a União Interparlamentar, sediada em Genebra.

Em 2019, a Lei da Paridade de 2006 sofreu uma segunda alteração (pela Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março), que aumentou a representação mínima exigida para cada sexo nas listas de candidaturas para a Assembleia da República de 33,3% para 40%. Mas estas diretrizes não se converteram em presença feminina parlamentar na faixa prevista.

Em sua defesa, a maioria dos partidos apresenta sistematicamente dois argumentos. Afirmam que são os eleitores que escolhem os deputados, esquecendo-se que não temos voto distrital e os eleitores votam em listas de candidatos ordenados, não em candidatos específicos dentro de um determinado distrito eleitoral (como no Brasil ou no México).

Depois dizem que é difícil encontrar mulheres nos radares político partidários disponíveis para servir a república. Naturalmente, o problema é mais complexo. As mulheres ainda enfrentam muitos obstáculos para entrar na política, como a falta de incentivo familiar e social, o machismo e a misoginia, a desvalorização profissional e a dificuldade de conciliar a vida pessoal com a profissional. As mulheres ainda são vítimas de estereótipos de género que as associam à esfera privada e ao cuidado do lar, enquanto a política é vista como um espaço testosterónico. Estes obstáculos já foram alvo de muito trabalho académico. Os partidos deveriam resistir à inércia e à acomodação.

No fim de semana, foi caricato assistir Marques Mendes na televisão, no exercício dos seus talentos, a recomendar que o novo governo de Montenegro tivesse mulheres “porque é importante”. Parecia um comentário político feito na década de 70. Mas talvez ele tenha razão e ainda precisemos de nomear o óbvio. No fundo, é o que estou a fazer também neste artigo. O Livre, um dos poucos partidos que tem uma agenda feminista substantiva, elegeu apenas uma mulher em quatro deputados, o que representa 25%, abaixo do PSD (24 mulheres ou 30,8% do grupo parlamentar) e até do próprio Chega (13 mulheres e 26%).

Deveria ser trivial ser feminista – acreditar na igualdade de direitos entre homens e mulheres. Ter mais mulheres no parlamento é benéfico para a sociedade como um todo. Por exemplo, desempenha um papel importante no combate à corrupção e na canalização de recursos para garantir a qualidade e consistência da prestação de serviços públicos. Estudos demonstram também que ter mais mulheres no parlamento contribui para a diversificação da agenda legislativa e a apresentação de novas perspetivas e experiências para o processo legislativo. Além disso, a presença de mais mulheres no parlamento pode inspirar outras mulheres a se envolverem na política e fortalecer a democracia.

É preciso notar que Portugal é um dos poucos países no mundo com nota máxima no Women, Business, and the Law (WBL) Index do Banco Mundial, que mede a proteção legal das mulheres. Somos muito bons a fazer leis, mas menos bons a garantir a sua real aplicação e disseminação.

Sophia de Mello Breyner, a primeira mulher presidente de uma comissão parlamentar (em 1975) afirmou na Assembleia da República que o país estava “transformado em supermercado de slogans”, que “tem-se feito a política da capital; e não a política de Portugal” e que “apesar do descontentamento crescente evidente e justo do povo português, a revolução tem estado constantemente a ser liderada pelo maximalismo literato dos falsos intelectuais de Lisboa, pelo faccio.”

Faltam mulheres que possam falar assim no Parlamento.

QOSHE - Precisamos de mais mulheres na Assembleia da República - Rodrigo Tavares
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Precisamos de mais mulheres na Assembleia da República

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28.03.2024

O parlamento português que tomou posse esta semana tem apenas 76 deputadas (33,04% do total). Façamos paralelismos. Portugal tem um dos piores desempenhos entre os países lusófonos (fica atrás de Moçambique, Angola, Cabo Verde, Timor-Leste), entre os países do sul da Europa (onde a média é 36,7%) e chega a ter menos deputadas do que países autocráticos como a Bielorrússia, Emirados Árabes Unidos ou Nicarágua. Há 55 países com melhores índices de representação feminina nas respetivas casas da democracia.

Num contexto em que o parlamento português foi acometido por uma intoxicação aguda de tacticismo partidário e em que são solitários os que se preocupam com a dignidade das instituições ou com os reais interesses do coletivo, a representatividade das mulheres conta pouco. Mas é exatamente nestes momentos que devemos salientar que o índice de representação feminina do novo parlamento português é o pior dos últimos 10 anos, segundo a União Interparlamentar, sediada em Genebra.

Em 2019, a Lei da Paridade de 2006 sofreu uma segunda alteração (pela Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março), que........

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