Diz o “Expresso”, no artigo “Os pais-helicóptero chegaram às universidades”, que os alunos de licenciatura, particularmente depois da pandemia, estão cada vez mais infantilizados e protegidos pelos pais.

Os pais acompanham os filhos às universidades, tratam das propinas, inscrevem-nos, reclamam junto dos serviços administrativos, enviam e-mails aos professores e até, tristes pais, fazem esperas à porta dos departamentos para confrontarem pessoalmente os responsáveis pelas más notas das crianças.

Mas as crianças têm mais de dezoito anos e, ao que tudo indica, não se sentem humilhadas pelo comportamento dos pais. Pelo contrário: à mínima frustração, cujo limiar tem atingido mínimos cada vez menos olímpicos, desatam num pranto e chamam os pais, que, aflitos, correm a saber que injustiça foi agora cometida. Onde antes havia reprovação, agora há consolo.

Ora, eu sou muito a favor da reprovação, que é muitas vezes mais eficaz do que o consolo. Este faz-se em casa, e na medida justa. A reprovação é coisa de rua, é a madrasta certa na hora errada: trouxeste o paizinho para a universidade?, vê lá se o levas também para o emprego; deixaste que a mãezinha reclamasse da nota, que foi muito inferior ao teu ego?, deixa também que ela responda ao cliente insatisfeito com a tua prestação. Mais reprovação, e as crianças de dezoito anos talvez sejam adultos aos dezanove; mais censura social, e talvez aprendam alguma coisa a tempo do fim da licenciatura.

As únicas crianças admitidas nas universidades, pelo menos lá fora, eram as crianças-prodígio. Agora, admite-se que os adultos sejam prodigiosamente crianças. Se os pais percebessem quanto prejudicam os filhos, talvez se sacrificassem da maneira certa, ao invés de se sacrificarem da maneira errada, deixando simplesmente os filhos em paz.

Como as coisas estão, na ânsia de os ajudarem, de lhes darem todas as condições para um futuro melhor, imiscuem-se umbilicalmente na vida dos filhos, não deixando que eles tenham a autonomia imprescindível para começarem a vida a solo. Para estrearem a maturidade.

Qualquer professor universitário com quem eu fale confirma o que relatou o “Expresso”. E não só os alunos aparecem na licenciatura com um grau de imaturidade intolerável, como este é muitas vezes proporcional a um moralismo acintoso que impede o debate desempoeirado e a verdadeira aprendizagem.

E há mesmo quem me confesse que é difícil andar pelas universidades, já que pelos corredores, forçando a saltos ou desvios elaborados, se estendem longas tripas de tecido orgânico. Claro: ainda por cortar, são os cordões umbilicais que os estudantes arrastam atrás de si.

QOSHE - Estudantes umbilicais - Afonso Reis Cabral
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Estudantes umbilicais

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06.12.2023

Diz o “Expresso”, no artigo “Os pais-helicóptero chegaram às universidades”, que os alunos de licenciatura, particularmente depois da pandemia, estão cada vez mais infantilizados e protegidos pelos pais.

Os pais acompanham os filhos às universidades, tratam das propinas, inscrevem-nos, reclamam junto dos serviços administrativos, enviam e-mails aos professores e até, tristes pais, fazem esperas à porta dos departamentos para confrontarem pessoalmente os responsáveis pelas más notas das crianças.

Mas as crianças têm mais de dezoito anos e, ao que tudo indica, não se sentem humilhadas pelo comportamento dos pais. Pelo contrário: à mínima........

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