As ruas de Beja podiam ser descritas entre as páginas de literatura, até entre os versículos da Bíblia, quando retratam povos que se deslocam, desamparados e em busca de comida.
Em Beja há dois povos: o povo de dentro e o povo de fora. O primeiro é o dos habitantes antigos, da gente velha e alentejana, que tem casas e camas e comida às refeições. Alguns desses olham pelas janelas para os outros, as pessoas de fora, quem sabe como medo e talvez algum desdém.
Os da rua são quase todos homens, jovens ou de meia-idade, que chegaram ao centro de Beja numa jornada humana que a gente de vida cómoda não pode verdadeiramente compreender. Vêm do Paquistão e da Índia, vêm de Marrocos e de outras áfricas em busca de trabalho.
Como diz o “Público”, “são cada vez mais os cidadãos africanos e asiáticos a deambular pelas ruas de Beja, sem destino e sem trabalho, pedindo com um gesto de mão junto à boca algo para comer”. Mas a reportagem, embora rigorosa e acompanhada de alguns casos de vida, não pinta verdadeiramente a realidade que testemunhei quando, há alguns dias, visitei essa cidade.
A muitos migrantes dizem que a agricultura é a solução para a pergunta da fome: agora, para onde? E o Alentejo a solução, um sítio milagroso no mapa - num país milagroso que fica num mapa maior.
E lá vai o povo deambulante, a quem traficantes ilegais prometeram trabalho, mas que despejam as pessoas na cidade sem apoio e sem rumo, as mesmas pessoas que, desapoiadas e desnorteadas, são depois exploradas por senhorios sem escrúpulos que as enfiam às dúzias em barracões, em zonas comerciais e em casas sobrelotadas com sistemas de cama-quente. E para muitos a cama é a rua.
Durante o dia, sem trabalho, os migrantes andam pelo centro da cidade, sob os olhares desconfiados da gente de dentro frente a portas fechadas a correia e cadeado. A Bíblia descrevê-los-ia como um povo errante e o Alentejo a desilusão da terra prometida. A literatura descrevê-los-ia como Steinbeck, que soube falar do pó e dos pés descalços.
Entre migrantes e as pessoas que desconfiam deles há a iniciativa de associações como a Estar, que, segundo o “Público”, não tem mãos a medir. Arranjam comida, facilitam alojamento, sensibilizam para o drama que se vive em Beja.
Eu temo pelos extremismos. Sai-se de Beja como a ideia que o mínimo fósforo incendiará a cidade.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia
O fogo em Beja
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28.02.2024
As ruas de Beja podiam ser descritas entre as páginas de literatura, até entre os versículos da Bíblia, quando retratam povos que se deslocam, desamparados e em busca de comida.
Em Beja há dois povos: o povo de dentro e o povo de fora. O primeiro é o dos habitantes antigos, da gente velha e alentejana, que tem casas e camas e comida às refeições. Alguns desses olham pelas janelas para os outros, as pessoas de fora, quem sabe como medo e talvez algum desdém.
Os da rua são quase todos homens, jovens ou de meia-idade, que chegaram ao centro de Beja numa jornada humana que a gente de vida cómoda........
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