Hoje, este jornal está em greve. Quem lhe dá vida precisa de respirar - e a rua, neste sufoco que os trabalhadores enfrentam, com salários em atraso e o futuro intoleravelmente indefinido - é o lugar onde melhor se respira.

A crise do “Jornal de Notícias” será a maior desde a sua criação em 1888, ano em que nascia Fernando Pessoa e Os Maias chegavam às livrarias. Nesse século XIX que nos formou em tantos aspectos, a imprensa vivia em abundância, com títulos quase incontáveis. Hoje, temos apenas quatro jornais diários, pertencendo os dois mais antigos ao GMG.

Com a greve, além de defenderem os postos de trabalho, o sustento e a dignidade enquanto profissionais, considero que os trabalhadores deste jornal prestam um serviço ao país. Que ninguém deixe de ouvir a sua revolta, que é também um alerta: a enorme desvalorização do jornalismo fragiliza-nos e empobrece a nossa democracia. Deixa-nos à mercê de um bicho incontrolável que é esta era da informação, abundante mas facilmente manipulável - quanto mais não seja porque informação, sem jornalistas que a trabalhem, não passa de ruído.

Os jornalistas têm nas mãos algo delicado e precioso que se chama verdade. Sem eles, a verdade facilmente se confunde com pequenos factos, com pequena informação, e nós facilmente somos arrastados numa torrente, a cada dia mais angustiante, de volume informativo contraditório e sem estrutura.

O jornalismo é uma profissão nobre e exigente que deveria ser tratada com o mesmo espanto que sentimos pelo artista e pelo artesão. Um bom jornalista tem um pouco de um e de outro: a notícia que nos dá, fruto de uma vida de discernimento e de capacidade de isenção e análise, entra directamente no coração do espaço público e da democracia.

Pudesse esta crónica sair à rua com os trabalhadores do jornal. Pudesse esta crónica acrescentar alguma coisa ao que tantos têm dito sobre o caso GMG. Um jornal que se avizinha delapidado, e que já se viu forçado a prescindir de colaboradores essenciais, dificilmente conseguirá honrar o compromisso de serviço público que está na sua génese. Solidarizo-me com todos os trabalhadores que hoje fazem ouvir a sua voz. E abraço-os na pessoa de Inês Cardoso, cuja força, temperança e sabedoria tanto admiro.

Amanhã, pela terceira vez em poucas semanas, calculo que este jornal não chegue às bancas. O Porto e o país sentirão de novo a ausência de um jornal que ajuda a construir a nossa história. Espero que o alerta sirva para que a voz do JN possa continuar firme, plural e intacta.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

QOSHE - Pudesse esta crónica sair à rua - Afonso Reis Cabral
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Pudesse esta crónica sair à rua

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10.01.2024

Hoje, este jornal está em greve. Quem lhe dá vida precisa de respirar - e a rua, neste sufoco que os trabalhadores enfrentam, com salários em atraso e o futuro intoleravelmente indefinido - é o lugar onde melhor se respira.

A crise do “Jornal de Notícias” será a maior desde a sua criação em 1888, ano em que nascia Fernando Pessoa e Os Maias chegavam às livrarias. Nesse século XIX que nos formou em tantos aspectos, a imprensa vivia em abundância, com títulos quase incontáveis. Hoje, temos apenas quatro jornais diários, pertencendo os dois mais antigos ao GMG.

Com a greve, além de defenderem os postos de trabalho, o sustento e a........

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