Começa hoje o ano em que se celebram cinco décadas desde que o 25 de Abril devolveu a liberdade e a democracia a Portugal, após 48 anos de ditadura. É uma data que merece ser comemorada, mas que também exige uma profunda reflexão sobre o país que somos hoje e o que estamos a construir.

Esta reflexão pode ser feita abordando inúmeros prismas. Concentro-me, porém, num único: a gravíssima crise que está a afetar o Global Media Group, que detém alguns dos mais importantes órgãos de comunicação social do país, designadamente o “Jornal de Notícias”, a TSF, o “Diário de Notícias” e “O Jogo”.

Se é verdade que a Revolução foi liderada pelos militares de Abril, também não podemos esquecer o papel desempenhado pela comunicação social e por muitos dos seus jornalistas no combate contra aquilo a que César Príncipe, antigo redator principal do JN, chamou “irreparável holocausto cultural e informativo” que se registou durante a vigência da ditadura.

Ao longo de quase cinco décadas, a verdade em Portugal foi permanentemente torturada por uma censura que - mais uma vez citando César Príncipe - se encarregou de “atirar a matar contra todas as construções sintáticas que se desviassem da gramática do regime”.

Ironia das ironias, foi precisamente a partir da rádio, tantas vezes violentada pelas imposições do censor, que partiram as senhas para que os militares saíssem dos seus quartéis na madrugada de 25 de Abril de 1974 e onde se ouviram as primeiras vozes da liberdade.

Por essa altura, o Norte de Portugal produzia três grandes jornais diários generalistas - o JN, “O Comércio do Porto” e “O Primeiro de Janeiro” - sediados na Cidade Invicta, mas que projetavam para todo o país e para o estrangeiro a informação sobre o que se passava neste canto da Península Ibérica e, em particular, numa região que tanto dá a esta nação e ao Mundo.

Não só o Porto mas todo o Norte tinha pelo menos três vozes fortes. Cada uma com a sua identidade, com a sua leitura dos factos, com os seus critérios jornalísticos. Cabia ao leitor, a cada um de nós, o exercício da escolha, com a certeza de que, a partir de 1974, a informação e a opinião que consumíamos passou a ser livre do lápis azul da ditadura.

Neste novo século em que vivemos, porém, a informação a Norte definhou. Desapareceram “O Comércio do Porto” e “O Primeiro de Janeiro”. Sobraram o JN e, na vertente desportiva, “O Jogo”. Perdemos voz, perdemos escolhas, perdemos pluraridade na informação.

O que se passa no Global Media Group deve, por isso, preocupar-nos muito. E ainda mais quando envolve, também, outros títulos como a TSF e o “Diário de Notícias”.

A democracia não sobrevive sem um jornalismo livre, plural. Num contexto em que as novas gerações leem cada vez menos - ou não leem de todo - jornais, nem procuram a informação na rádio ou na televisão, o que está a acontecer não nos pode deixar confortáveis.

Uma informação balizada por algoritmos de redes sociais, na maioria das vezes sem quaisquer garantias de veracidade, é um verdadeiro atentado à liberdade e à democracia cinquentenária que este ano celebramos.

Permitam-me que me aproprie - abusivamente - de parte de uma afirmação de Manuel António Pina: “eu seria outro (alguém muito mais desoladamente pobre; e não o saberia)” se o JN, a TSF, o DN e “O Jogo” nunca tivessem existido. Lembremo-nos disso!

QOSHE - "Eu seria outro (mais desoladamente pobre)" - Alberto Costa
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"Eu seria outro (mais desoladamente pobre)"

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01.01.2024

Começa hoje o ano em que se celebram cinco décadas desde que o 25 de Abril devolveu a liberdade e a democracia a Portugal, após 48 anos de ditadura. É uma data que merece ser comemorada, mas que também exige uma profunda reflexão sobre o país que somos hoje e o que estamos a construir.

Esta reflexão pode ser feita abordando inúmeros prismas. Concentro-me, porém, num único: a gravíssima crise que está a afetar o Global Media Group, que detém alguns dos mais importantes órgãos de comunicação social do país, designadamente o “Jornal de Notícias”, a TSF, o “Diário de Notícias” e “O Jogo”.

Se é verdade que a Revolução foi liderada pelos militares de Abril, também não podemos esquecer o papel desempenhado pela comunicação social e por muitos dos seus jornalistas no combate contra aquilo a que César Príncipe, antigo redator........

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