A crítica aceitável e até saudável, em democracia, ao modo de comunicação e de actuação da Sra. Procuradora-Geral da República, a propósito de duas investigações em segredo de justiça, rapidamente evoluiu para uma surreal e inaceitável pressão sobre o que deveria a mesma fazer publicamente. Propondo uns e exigindo outros a sua presença na AR para dar explicações sobre as eventuais falhas processuais cometidas pelo MP naqueles processos. Perplexa, constato a falta de solidariedade institucional, do respeito devido pela divisão de poderes, pela necessária cooperação entre os vários órgãos de soberania, organismos e instituições do Estado. A PGR tem sido alvo de ataques concertados e continuados, sem qualquer filtro na linguagem ou resguardo democrático.

A PGR não tem qualquer dever ou obrigação de se sujeitar a quaisquer interrogatórios na AR pelos senhores deputados. Os interlocutores da PGR são exclusivamente o presidente da República e o/a ministro/a da Justiça. É o que resulta da CRP e do estatuto do MP. Aliás, o Sr. Presidente, no dia das buscas e apreensões no âmbito do Processo Influencer, chamou a Belém a PGR, com a qual conferenciou durante algum tempo. Presume-se que não foi uma mera visita de cortesia... Se dúvidas persistem dessa conversa, é ao Sr. Presidente que compete convidá-la de novo para actualização de eventuais informações “genéricas”, sem ultrapassar o limite ético e legal da autonomia do MP e do segredo de justiça.

Por outro lado, a ministra da Justiça pode igualmente inteirar-se, genericamente, do estado e evolução da justiça, quer em audiência privada, quer estando presente no Conselho Superior do MP, órgão máximo de gestão e disciplina daquela magistratura, e no qual têm assento membros eleitos pela AR e membros nomeados pela ministra da Justiça. Estes elementos exteriores à magistratura têm o poder de colocar as questões que entenderem à presidente daquele órgão, a PGR. É perante estas entidades que a PGR terá de fornecer os elementos que não sejam passíveis de violar a autonomia da investigação.

Por outro lado, a PGR termina o seu mandato em Outubro próximo, pelo que se não vislumbra qual o interesse de alimentar uma chicana judiciária. Sendo certo que houve consequências políticas da actuação do MP, acobertado pela hierarquia máxima, não se pode julgar por um acto o trabalho desenvolvido todos os dias pelos magistrados, com arquivamentos, acusações e condenações em milhares de processos que correm termos nos tribunais.

A não ser que se pretenda algo mais, desejo inconstitucional de transformar o MP em magistratura subordinada ao poder político, como já o foi na noite longa da ditadura. Investigar ou não, acusar ou não, quem o poder executivo quiser é objectivo que não consta da CRP, democrática e progressista. O tempo não volta para trás. A recente festa do 25 de Abril demonstrou que, como já foi repetidamente dito, mais vale uma democracia com defeitos do que uma ditadura.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

QOSHE - A responsabilização da PGR - Cândida Almeida
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

A responsabilização da PGR

28 1
05.05.2024

A crítica aceitável e até saudável, em democracia, ao modo de comunicação e de actuação da Sra. Procuradora-Geral da República, a propósito de duas investigações em segredo de justiça, rapidamente evoluiu para uma surreal e inaceitável pressão sobre o que deveria a mesma fazer publicamente. Propondo uns e exigindo outros a sua presença na AR para dar explicações sobre as eventuais falhas processuais cometidas pelo MP naqueles processos. Perplexa, constato a falta de solidariedade institucional, do respeito devido pela divisão de poderes, pela necessária cooperação entre os vários órgãos de soberania, organismos e instituições do Estado. A PGR tem sido alvo de ataques concertados e continuados, sem qualquer filtro na linguagem ou resguardo........

© Jornal de Notícias


Get it on Google Play